OPINIÃO

Sobre mães de pessoas homoafetivas

Por Ayne Salviano | Especial para a Folha da Região
| Tempo de leitura: 3 min
Tânia Rêgo/Agência Brasil (imagem ilustrativa)

Por essas coincidências da vida, essa semana fui procurada por duas amigas queridas e de longa data para um café. Em outras palavras, elas me disseram durante o convite: “você sabe ouvir sem julgar”. A maturidade faz isso com a gente, especialmente quando não estamos diretamente envolvidas no assunto. As duas, em momentos diferentes, me contaram que descobriram, com surpresa, suas filhas em relações homoafetivas.

As minhas amigas são mulheres, brancas, heterossexuais, cisgênero. Elas estão na faixa dos 50 anos, são graduadas e pós-graduadas, concursadas, têm empregos estáveis com bons salários e vivem com seus maridos há décadas. Formam aqueles casais especiais que o círculo social do entorno admira pelo respeito, amor e cumplicidade. A família toda, filhos inclusos, é admirada. Ambas têm religião e se dedicam aos trabalhos religiosos.

As filhas são exemplares. Estudiosas, inteligentes, esforçadas, bonitas, prestativas, divertidas. São presentes, cuidam da família, resolvem problemas alheios, fazem trabalho voluntário, divertem os amigos, trabalham, não usam qualquer tipo de drogas, enfim, dão só alegrias e nenhum tipo de preocupação. Até que chegou o momento da revelação.

A minha amiga “A” ouviu da filha adolescente que ela era homossexual. “A” me disse que chorou por pensar o quanto a filha pode sofrer, afinal o Brasil é o país que mais mata pessoas da comunidade LGBTQIA+. Falou sobre isso com a filha, mas dentro de um abraço amoroso, de plena aceitação. “Ela é minha filha, o que mais eu poderia fazer?”, me perguntou de forma retórica.

As duas contaram para o pai, que primeiro relutou e depois entendeu e jurou proteção contra todos que tentassem fazer mal à filha. E, juntos, contaram aos avós, tios, primos. A fala do avô me comoveu: “você é minha neta e eu te amo do mesmo jeito”. Entendi que preconceito não tem a ver com idade, mas com falta de amor.

“A” e o marido continuam vivendo suas vidas normalmente. Trabalham durante a semana e nos finas de semana se divertem com os amigos. Continuam sendo respeitados no seu círculo social, mas é claro que se afastaram dos poucos que ousaram falar mal da filha. São felizes, viajam, inclusive com a filha e a namorada.

Por outro lado, a minha amiga “B” surtou quando ouviu da filha adulta que o motivo da sua tristeza disfarçada de anos era o fato de não se assumir homossexual. A mãe gritou, chorou, brigou e expulsou a filha de casa. Proibiu-a de falar sobre o assunto com qualquer familiar ou amigos em comum. Obrigou a moça a morar em outra cidade abandonando o emprego e os amigos. O pai até tentou acalmar a mãe, mas não conseguiu.

Frases horríveis foram ditas, a separação foi traumática, o casamento balançou porque o pai sente muita falta da filha, seu braço direito nos negócios e na vida, e agora minha amiga está na base de remédios. Precisa de remédios para dormir, para levantar da cama, para se manter de pé durante o dia. Chora o tempo todo, não frequenta mais as festas de família nem sai com os amigos. “Não quero que eles descubram o que está acontecendo”, me falou. A filha se mantém distante, mais depressiva.

Tentei falar com ela depois de ouvi-la por muito tempo em silêncio, mas sempre segurando sua mão nos momentos mais difíceis da sua fala. Ia sugerir um acompanhamento profissional, alinhar a questão psiquiátrica, em andamento, com a necessidade de um trabalho psicológico, mas ela recusou, não quis me ouvir. Disse que queria só desabafar para aliviar a dor do peito e voltou cabisbaixa para o carro.

Uma amiga não sabe da outra. Mas ambas sabem que eu estou escrevendo sobre o tema, pedi permissão com o compromisso de não citar nomes nem dados que pudessem identificá-las. Disse a elas que meu texto pretende expor o que acontece com famílias que descobrem membros homoafetivos. São informações. O que o leitor fará com elas já não é do meu domínio. Espero que ajude.


Ayne Regina Gonçalves Salviano é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica. Especializada em Metodologia Didática do Ensino Superior com MBA Internacional em Gestão.

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