OPINIÃO

Equilíbrio místico

'O Senhor Jesus, em mais uma formidável lição, deixa claro a supremacia do coletivo sobre o individual.' Leia o artigo de Padre Charles Borg.

Por Padre Charles Borg | 14/04/2024 | Tempo de leitura: 2 min
especial para a Folha da Região

Formar comunidades! Foi nesta direção que os primitivos cristãos entenderam e dedicaram-se a aplicar o mandamento de Senhor Jesus de ir ensinar e fazer discípulos! Viver em comunhão fraterna representa, em última análise, a esperança da redenção para a humanidade. Em sua mais longa, e comovente, prece, pronunciada na véspera de sua morte, ao final da celebração da primeira eucaristia da nova aliança, o Mestre deixa claro que a mais eloquente pregação capaz de fazer acontecer o novo tempo de restauração de relacionamentos é a união entre os seguidores. QUE TODOS SEJAM UM, PARA QUE O MUNDO CREIA QUE TU ME ENVIASTE! Na nova ordem evangélica, o coletivo deve sobressair sobre o individual. No formidável retrato falado que Lucas redige acerca da primitiva comunidade cristã destaca-se justamente o convívio comunitário. No cotidiano dos fiéis, como nas liturgias, o coletivo deve prevalecer sobre o individual!

A superação do individualismo e a subsequente conversão para o comunitário representam o grande desafio para a ação evangelizadora. O impulso de cuidar prioritariamente dos próprios interesses está na raiz das muitas mazelas que afligem a humanidade. Sem grandes esforços nota-se como, em função da difusão dos meios digitais, a cultura personalista se robustece e os cidadãos, paulatinamente e sem remorso, estão se distanciando uns dos outros. A tendência da cultura moderna é isolar progressivamente o cidadão. Tornando-o, com hábil astúcia, mais manipulável e mais vulnerável. Por um desses curiosos paradoxos, ao isolar o cidadão, a cultura moderna agride a individualidade da pessoa. Pois o ser humano é naturalmente inculturado, formado por hábitos, educado em tradições. Isolado de suas raízes, torna-se fácil refém de ambíguas informações. Por óbvio, esse individualismo exacerbado infiltra também a convivência cristã e a prática religiosa. Observa-se a difusão de uma religiosidade subjetiva que privilegia o contato individual com o transcendente. O contato direto com o divino gera compreensíveis reações emotivas, iludindo a alma devota. Em paz consigo e satisfeito, o místico individualista, reduz a dimensão horizontal a um contingente assistencialismo. No mais nobre ritual cristão – a eucaristia – cresce visivelmente a preferência por infiltradas devoções e pieguices focadas em gestos individuais, que ignoram por completo a assembleia reunida e descaracterizam a dimensão essencialmente fraterna e comunitária do ritual do partir do pão.

A saudável mística cristã se sustenta no equilíbrio entre o vertical – a comunhão com Deus – e o horizontal – a íntima e vital ligação com o semelhante. Ao comparar seus seguidores à vinha, o Senhor Jesus, em mais uma formidável lição, deixa claro a supremacia do coletivo sobre o individual. Fecundo fica ramo somente quando intimamente inserido na vinha, alimentado pela seiva do tronco. Isolado, seca o ramo e morre!

Padre Charles Borg é vigário-geral da Diocese de Araçatuba

Fale com a Folha da Região! Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção? Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Receba as notícias mais relevantes de Araçatuba e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.