OPINIÃO

Esposas tradicionais: falta noção

'As pessoas precisam ser livres para poderem escolher. Nesse sentido, o movimento TradWives erra ao querer ser um modelo único.' Leia o artigo de Ayne Regina Gonçalves Salviano

Por Ayne Regina Gonçalves Salviano | 14/04/2024 | Tempo de leitura: 3 min
especial para a Folha da Região

Quem frequenta a internet, já deve ter esbarrado, em um dia desses, com uma nova “trend”, a das #TradWives, que em tradução livre significa “esposas tradicionais”.

Para quem não conhece o termo ou nunca ouviu falar dele, trata-se de um novo movimento em nível internacional composto por mulheres que promovem os papéis de gênero ultratradicionais. Para elas, a submissão ao marido e a promoção da domesticidade é a receita do casamento “feliz”.

Isso mesmo. Em pleno século 21, depois de as mulheres celebrarem tantas conquistas difíceis como o direito ao voto e, mais recentemente, aqui no Brasil, o salário igual ao dos homens, as #TradWives passam os dias produzindo vídeos limpando a casa ou cozinhando e exaltando as “virtudes” de ser “do lar”, preparar refeições para a família, ter muitos filhos (isso mesmo que você leu!) e submeter-se à liderança masculina.

Entre os mantras desse grupo estão pensamentos (preocupantes) como: “se você quer um casamento feliz, tem sempre que colocar o seu marido em primeiro lugar”. Ou, “uma mulher de valor é aquela que cuida da casa, dos filhos e do marido”. É o novo “bela, recatada e do lar”.

Quem consegue assistir aos vídeos dessas “influenciadoras” até o final se sente no túnel do tempo. Somos jogados aos anos 1950 e 1960, especificamente em um lugar, os Estados Unidos. É como se estivéssemos em um filme hollywoodiano dos anos 50.

Sim, as “tradwifes” têm, em 2024, aquele estilo próprio de cabelo, de vestimenta com padrões específicos nos tecidos, maquiagem, enfim, tudo remete a um saudosismo e a uma nostalgia que deveriam, no mínimo, assustar quem assiste.

Assustar por quê? Não é preciso nem ser semioticista para entender que toda ação tem uma intenção. Com esse movimento não é diferente. Querer exaltar a tradição e a família dessa forma tem viés político sim, daquela turma que adora o patriarcado, o machismo e a misoginia justamente em um país onde, apesar das leis, todo tipo de violência contra as mulheres, especialmente o feminicídio, só cresce.

Em tempo e é bom que se diga: não há nada de errado com uma mulher que decida dedicar-se à família e à casa. Mas quando isso se torna um movimento querendo impor apenas um modelo como certo, isso é demasiadamente preocupante.

Porque há mulheres que não desejam se casar. E há mulheres que, mesmo casadas, não desejam ser submissas aos seus maridos, lembrando que há outros modelos de casamento também.

Há mulheres que não desejam ter filhos, vão querer trabalhar e ter seu próprio dinheiro, desejarão fazer “happy hour” com as amigas sem ter que pedir permissão ao “homem da casa”.

Muitas até vão querer cozinhar, mas não todo dia, e adorarão quando seus homens prepararem pratos deliciosos para elas. Muitas vão adorar deixar a casa organizada, mas com a ajuda dos parceiros, porque ser mulher não é ser sinônimo de empregada.

As pessoas precisam ser livres para poderem escolher. Nesse sentido, o movimento TradWives erra ao querer ser um modelo único. Falta noção do tempo em que vivemos e das lutas que já foram travadas e vencidas. Não dá para voltar nenhuma casa nesse jogo porque só as mulheres perdem.

Ayne Regina Gonçalves Salviano é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica, tem MBA em Gestão

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