CRÔNICA

As botas do francês

Por Jeremias Alves Pereira Filho | 23/03/2024 | Tempo de leitura: 2 min
Especial para a Folha da Região

Agradável caminhar pelas ruas de Paris, cidade boa para andar a pé não só por ser quase toda plana como pelo muito que se ver. Mesmo numa gelada e garoenta manhã de fevereiro parto rumo a lugar nenhum, como gosto de fazer, ciente do percurso e sabendo onde estar. E assim foi, quando “desci” a rue de Mouzaïa para tornar à direita na rue des Mignottes,  cruzar a rue Compans e seguir nela mesma, então nomeada rue Arthur Rozier. Em seguida pegar a rue des Solitaires, virar na rue de Palestine, entrar na Église Saint-Jean Baptiste - toda igreja de Paris sempre surpreende -, e, ao chegar no Parc de Belleville, estacionar o corpo cansado na mureta do Mirante com vista panorâmica para a Tour Eiffel. Uma belíssima e longa ”pernada”.

No trajeto, eis que me deparo e paro com o inusitado. E digo isso intencionalmente para prender a atenção do distraído leitor. Inusitado porque eu, provinciano brasileiro, não estou acostumado ver coisas boas largadas na rua, pois, mesmo sob severa vigilância, costumam aqui serem rápida e eficientemente surripiadas(ôpa!). Ocorre que numa dessas travessas, junto ao gradil do Centre Sportiff des Lilas, encontravam-se ajeitadas, lado-a-lado, duas botas formando – claro -  um par para dois pés de uma mesma pessoa, como era de se esperar.

Intrigado, me perguntei de quem seriam tais botas, até porque, numa manhã friorenta, custava-me acreditar que alguém teria se despido do protetor calçado e sair por aí de pés nus e hipotérmicos. Teria sido assassinado seu dono e deixado o criminoso propositalmente as botas como pista para a Gendarmerie parisiense investigar? Ou teria cometido suicídio depois de bater as botas? Não, não creio em tais absurdas hipóteses... Talvez, ao contrário, o dono das botas simplesmente as substituiu por um par de tênis para, então, atleticamente adentrar(aaargh) no centro esportivo para uma ginástiquinha, o que seria bem mais plausível? Cooomo? Teria a administração do espaço público (sim, o Centre Sportiff é do povo!) proibido o acesso de botas? Não poderia o usuário carregá-las para dentro, ocultas numa mochila com toalha, sabonete e roupa de troca?  Não é possível! Nenhuma advertência havia na placa instalada acima do portão de entrada.  Na França, o que é proibido é proibido expressamente! Um enigma!

Não voltei depois nem nos dias que se seguiram para conferir, porque tinha mais o que fazer do que atender minha mera curiosidade. A cidade oferecia muito mais... Porém, estava certo de que o singelo dever de civilidade iria obrigar quem encontrasse as botas a deixá-las em destaque visível e disponível, caso não estivessem.  Assim, o legítimo dono, quem sabe um irônico e bem humorado francês, poderia encontrar suas botas ali mesmo. No exato lugar no qual as deixou esperando por ele.

Jeremias Alves Pereira Filho – Sócio de Jeremias Alves Pereira Filho Advogados Associados; Especialista em Direito Empresarial e Professor Emérito da UPM-Universidade Presbiteriana Mackenzie. Araçatubense nato.  

Fale com a Folha da Região! Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção? Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Receba as notícias mais relevantes de Araçatuba e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.