RELIGIÃO

A última tentação

Urge, pois, tomar posição e mexer-se. Responsabilidade esta que recai com singular peso sobre as pessoas religiosas.

Por Padre Charles | 04/02/2024 | Tempo de leitura: 2 min

Arquidiocese do Rio/Reprodução

A última tentação de Cristo – e de longe a mais provocadora – se deu quando instigado a descer da cruz e salvar a si mesmo
A última tentação de Cristo – e de longe a mais provocadora – se deu quando instigado a descer da cruz e salvar a si mesmo

Sábia, a natureza adverte! Insistentemente! As recorrentes calamidades climáticas emitem, não de hoje, sinais de alerta e de advertência. Todos os cidadãos sabem que é preciso tomar radical posição diante dos diferentes perigos que ameaçam a humanidade. Pois além da suicida agressão contra a natureza, a humanidade enfrenta a escandalosa desigualdade entre nações, e cidadãos, ricos e nações, e cidadãos, pobres. É previsível que essas desigualdades gerem conflitos, tanto no âmbito internacional como no campo doméstico com as inconcebíveis discriminações de raça, religião e gênero. Este quadro caótico demanda tomar posição!

Difusa é a postura de indiferença! Diante do ingente desafio, muitos preferem cuidar da própria sobrevida, como se possível fosse sobreviver seguro enquanto tudo em volta desmorona. Boa vida individual é ilusão. Urge, pois, tomar posição e mexer-se. Responsabilidade esta que recai com singular peso sobre as pessoas religiosas. Surge interessante fenômeno nas religiões orientais – budismo, em particular – renomadas por suas preferências contemplativas. Monges modernos recusam integrar comunidades contemplativas que se omitem diante das mazelas do mundo. Não é compreensível contemplar o transcendente e fechar o olho para as necessidades do irmão ao lado!

Gratifica a sintonia entre a moderna mística budista e a proposta do Evangelho de Jesus Cristo. Inimaginável é, na moral cristã, amar e servir a Deus sem engajar-se na redenção do mundo e na restauração da dignidade humana. A biografia de Jesus Cristo é exemplo vivo desse redentor engajamento. O fiel que ora seguindo os padrões de Cristo vê-se interpelado a agir. Não é possível orar e permanecer espectador indiferente diante do sofrimento injusto que aflige milhões de irmãos. Urge precaver-se contra uma alienante mística que valoriza excessivamente a piedade individual. O “Salve a sua alma”, pregado com ardor em outros tempos, permanece válido desde que entendido e vivido no compasso evangélico do “tive fome e me deu de comer”. Isoladamente ninguém se salva. A legítima comunhão com Jesus Cristo necessariamente desaloja. Nem verdadeira comunhão eucarística seja imaginável sem que se expresse num responsável engajamento para mudar o rumo da história.

A última tentação de Cristo – e de longe a mais provocadora – se deu quando instigado a descer da cruz e salvar a si mesmo. Salvação pessoal prioritária, como a máscara de oxigênio, somente no transporte aéreo. Desde suas origens, o cristianismo – e agora, felizmente, as místicas orientais – concebe a salvação no compasso de engajamento solidário, do esquecimento de si em favor do semelhante e seus entornos. Advertem os sinistros fenômenos naturais, somente a conscientização e o empenho coletivo asseguram o equilíbrio climático. Somente se salva, nesta e na outra vida, quem souber vencer a perniciosa tentação individualista.

Padre Charles Borg é vigário-geral da Diocese de Araçatuba

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