OPINIÃO

A burrice mata

29/01/2024 | Tempo de leitura: 3 min

O IMA - Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina envia técnicos semanalmente para analisar a balneabilidade de suas praias. Depois do material analisado, o poder público instala placas alertando os banhistas para os resultados.

Se a praia está própria para banho, moradores e turistas são avisados que podem se refrescar sem problemas. Se a placa informa que a praia está contaminada, o público não deve se banhar para evitar doenças e até mortes.

Mas, o órgão público - que está trabalhando para o bem da população – está sendo surpreendido com recorrentes atos de vandalismo contra as placas de balneabilidade. Recém-instaladas, elas estão sendo frequentemente danificadas, principalmente em Florianópolis, o que pode comprometer a saúde da população e dos turistas.

Por que essas placas de sinalização estão sendo danificadas? Algumas hipóteses: 1) vandalismo, 2) ação de pessoas que podem perder vendas com as praias vazias e, pasmem, 3) um determinado grupo que acredita que o trabalho técnico do órgão público tem viés político.

Já vimos isso antes na história recente desse país. Duvidar da Ciência tem sido recorrente, como no exemplo da questão da vacinação contra a covid-19 durante a pandemia. O resultado desse comportamento negacionista foi desastroso: mais de 700 mil brasileiros mortos, milhares enterrados em sacos pretos, em valas comuns, sem que familiares pudessem se despedir deles.

Estudos recentes indicam que mais da metade desses brasileiros estaria viva se o governo brasileiro tivesse adquirido o imunizante desde o início da pandemia. O mesmo comportamento antivacina está acontecendo agora com as crianças.

Aproximadamente 830 delas morreram no ano passado por complicações da covid e, segundo os médicos, a maioria não teria ido a óbito se tivesse vacinada. O que nos faz concluir que a burrice mata. A palavra pode parecer forte, mas há uma diferente entre ignorância e burrice que precisa ser explicada aqui.

Assistindo ao noticiário, lembrei imediatamente do escritor, jornalista e dramaturgo brasileiro, Nelson Rodrigues, que escreveu certa vez: “A burrice é diferente da ignorância. A ignorância é o desconhecimento dos fatos e das possibilidades. A burrice é uma força da natureza.”

Lembrei, também, de um artigo publicado pelo cineasta, roteirista e diretor de TV, Arnando Jabor, quando ele aprimorou o pensamento de Nelson Rodrigues afirmando que a burrice é um mecanismo de defesa, uma couraça e, por esse motivo, essas pessoas se fecham em suas verdades criadas por suas próprias cabeças.

A diferença entre o ignorante e o burro é que o primeiro é fruto de uma sociedade estruturada na manutenção do desconhecimento. E justamente por causa desse sistema, a burrice avança com a autoproclamação de sábios e alguns senhores da verdade e da razão.

E, convenhamos, há uma coerência em manter a ignorância no país, ela é lucrativa. Quantos mais ignorantes, mais manipuláveis. Já imaginaram que terror seria para um determinado grupo social se número de ignorantes diminuísse?

Lembrei então da caverna de Platão e penso: a burrice é uma escuridão interna desejada, é o ódio a qualquer luz que possa clarear a sombra. Quem está na escuridão da caverna sofre menos porque encastela-se numa só ideia e fica ali, no conforto, feliz com suas certezas.

E como a burrice é mais fácil de se entender, quem a possui é sempre bem-vindo(a), faz mais sucesso do que aquele ser inteligente, sempre mal-visto porque questiona tudo. Com certeza, ser (ou parecer) burro dá mais “views” e “likes”.

O crítico literário Agripino Grieco tinha frases fortes sobre esse assunto: “A burrice é contagiosa; o talento, não”. Ou “A inteligência é chata; traz angústia, com seus labirintos. Inteligência nos desorganiza; burrice consola”.

Enquanto sociedade que aspira viver e poder mergulhar em praias limpas para um descanso merecido, precisamos decidir, agora, se queremos nosso futuro pautado pela burrice esperta que manipula os ignorantes ou se vamos todos fazer uma aliança contra o analfabetismo, o desconhecimento e, principalmente, as fake news.

Ayne Regina Gonçalves Salviano é jornalista, professora, mestre em Comunicação e Semiótica.

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