OPINIÃO

Justiça com as próprias mãos não é Justiça

25/11/2023 | Tempo de leitura: 3 min

“Você Decide” foi um programa da Rede Globo entre os anos 1992 e 2000. Semanalmente, atores encenavam casos fictícios cujo final era decidido por meio de votação pelo público, que naquela época usava o telefone para fazer essa interatividade.

O elenco gravava pelo menos dois finais para cada episódio. O mais votado era o exibido. Até que um dia, em uma história policial, o enredo mostrava menores invadindo uma casa e aterrorizando, de todas as formas possíveis, a família refém até que o pai conseguia pegar a arma do criminoso.

A partir desse momento, o público decidiu que aquele pai deveria fazer “justiça com as próprias mãos”. Nem é preciso dizer o tamanho da polêmica gerada uma vez que justiça com as próprias mãos não é justiça, é vingança, e no Brasil isso é crime.

Lembrei desse caso durante a semana que passou ao ler os comentários do público nas páginas dos veículos de comunicação que noticiaram um crime de morte envolvendo irmãos em Araçatuba.

De acordo com o que foi noticiado, uma irmã teria assassinado a tiros o irmão porque ele teria abusado sexualmente da sobrinha de 11 anos, filha da suposta autora dos disparos. O comentário da maioria do público apoiava a atitude da mulher.

Esse comportamento do público remete à Lei de Talião, do “olho por olho, dente por dente”. Acontece que esse momento histórico já foi superado a milhares de anos. Desde aquela época, a sociedade evoluiu.

Hoje, a sociedade tem instituições que são responsáveis pela segurança pública e pelo bem-estar da comunidade, como as polícias e o sistema judiciário.

Alguém pode querer contra-argumentar dizendo que essas instituições não têm correspondido às expectativas das pessoas porque nelas há falhas diárias, de descaso a crimes.

Mas isso não significa que todos os policiais são ruins e nem que todas as pessoas comuns podem sair por aí culpando outras e aplicando nelas as penas que acharem condizentes.

Já imaginaram se as armas de fogo ficarem acessíveis a todos? Já pensaram no que podem se transformar meras discussões em família ou desentendimentos comuns em escolas e no trabalho?

Qual pai ou mãe vai ter paz quando os filhos forem se divertir no final de semana e tiverem expostos a uma discussão no trânsito ou na boate?

É claro que no caso em questão, todo abusador deve ser criminalizado e pagar por isso na prisão. Mas matá-lo vai apenas levar mais alguém para a cadeia. Se a notícia se confirmar, como ficará essa criança que foi abusada e poderá crescer sem a mãe porque ela ficará presa por anos?

Enfim, esse texto não quer apontar o é certo ou errado. Deseja apenas fazer o leitor refletir sobre os riscos que todos corremos quando apoiamos a violência, quando incentivamos que cada um faça o seu julgamento próprio e aplique a sua pena.

Esse é o caminho da barbárie. Esse é o caminho da involução, da não civilização. Se as instituições policiais e de justiça não estão suprindo as necessidades da sociedade é muito mais produtivo que as pessoas se unam lutando pelo fortalecimento das forças de segurança pública, com a contratação de mais policiais, maiores salários para eles, mais equipamentos de segurança e de tecnologia, mais treinamentos, mais assistência psicológica.

A Lei de Talião não fez sentido nem em 1750 antes de Cristo. Nós estamos em 2023 depois de Cristo. Não é possível viver no século 21 com a mentalidade tão ultrapassada.

Ayne Regina Gonçalves Salviano é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica, e gestora educacional.

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