Opinião

A elite atacada

08/10/2023 | Tempo de leitura: 3 min

 

 

 

Quatro médicos sofreram um ataque brutal no Rio de Janeiro na semana que passou. Não eram quaisquer médicos. Eram especialistas formados pelo Hospital das Clínicas da USP - Universidade de São Paulo, a melhor do país. 

As vítimas são representantes simbólicas do topo da pirâmide socioeconômica desse país. Faziam parte de um grupo da sociedade que, em teoria, conseguia se proteger da violência nos seus condomínios fechados e carros blindados. O massacre que sofreram, entretanto, demonstrou que a elite brasileira não está a salvo.

Os doutores relaxavam em um momento de lazer depois de terem estudado o dia todo. Participavam de um evento médico internacional. De noite, finalizados os trabalhos, atravessaram a rua do hotel onde estavam hospedados - e onde também ocorria o evento - e foram confraternizar em um quiosque perto da praia, ouvindo o mar, na Barra da Tijuca, bairro nobre carioca.

Enquanto conversavam talvez nem tenham percebido os três criminosos que desceram de um carro, se aproximaram rapidamente da mesa onde eles estavam e dispararam mais de 30 tiros em poucos segundos. Três morreram no local. Apenas um sobreviveu mesmo sendo alvejado 14 vezes.

Se os médicos eram ricos, isso não os salvou. Se tinham porte de armas, isso também não os salvou. Desde o ataque, todos tivemos a certeza de que a barbárie que impera no país, especialmente implantada pelo tráfico de drogas, pode nos atingir a qualquer momento. 

Ficamos sabendo que não morrem apenas os traficantes e os policiais na guerra insana que travam há tanto tempo. Não morrem apenas os trabalhadores humildes e moradores das comunidades, inclusive crianças inocentes a caminho da escola. Não morrem apenas os outros. 

Todos nós podemos morrer em um país violento. Ninguém está a salvo onde o Estado perdeu forças para facções criminosas e milicianos. E para quem ainda quer entender o que é e como se cria um miliciano, sugiro assistir a “Tropa de Elite 1” e “Tropa de Elite 2”. Não são meros filmes. Trata-se de arte-denúncia, mas que poucos entenderam na época e hoje faz todo o sentido.

Menos de 24 horas depois do crime bárbaro contra os médicos, a mídia noticiou que quatro corpos foram encontrados no Rio de Janeiro. Eles seriam dos matadores dos médicos. Segundo a polícia, eles teriam sido executados porque os chefes do tráfico e da milícia teriam ficado insatisfeitos com a repercussão do crime e decidiram, em chamada de vídeo de dentro de presídios, pela execução dos bandidos.

A história é tão surreal que nem o roteirista da distopia mais famosa da literatura ou do cinema conseguiria imaginar. 

A essa altura, alguém pode estar pensando na frase “bandido bom é bandido morto”, do ex-deputado José Guilherme Godinho, o delegado Sivuca, dita lá nos anos 1980. Mas, vale lembrar a esse público, ainda retomando as lições do Capitão Nascimento nos filmes “Tropa de Elite”, que tem muito bandido em cargos públicos importantes no Brasil.

Em um exercício de raciocínio lógico, a saída da violência não está em mais violência. Está na Educação. Na diminuição das desigualdades sociais. Está na eliminação da fome e da miséria. Está no aparelhamento das forças policiais e na urgente melhor remuneração deles. Está em uma Justiça célere, eficiente e eficaz. Está em um sistema prisional bem diferente do brasileiro. 

Há muito trabalho. É preciso que se comece rápido. Até lá, todos corremos perigo.

 

Ayne Regina Gonçalves Salviano é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica.

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