ARTIGO

Morrer no mar

Por Ayne Regina Gonçalves Salviano | 26/06/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Na semana que passou, o mundo todo se comoveu com a história de cinco homens, bilionários, que morreram depois que o submersível onde estavam, o Titan, implodiu debaixo da água do Oceano Atlântico. 

Eles haviam mergulhado em uma aventura para ver os destroços do Titanic, navio que afundou em 14 de abril de 1912, na sua primeira viagem, matando mais de 1,5 mil passageiros. Esse fato já foi retratado em diversos documentários e filmes, como na obra mais recente, de James Cameron, com Leonardo DiCáprio. 

Mergulhar no Titan era uma aventura, literalmente, porque o veículo era absurdamente inseguro, sem cabo conectado a nenhum navio, dirigido por controle remoto de videogame em versão ultrapassada. 

Tudo isso todos os viajantes sabiam, mas mesmo assim decidiram partir depois de pagarem uma pequena fortuna para isso, 250 mil dólares, o equivalente a 1,1 milhão de reais cada um.

Infelizmente, no dia 22 de junho, a marinha norte-americana confirmou a morte dos passageiros provocando comoção mundial. 

Contudo, no dia 14 de junho, mais de 300 pessoas morreram – entre elas aproximadamente 100 crianças – em um naufrágio no Mar Mediterrâneo segundo a ONU – Organização das Nações Unidas. Ainda há centenas de desaparecidos.

Elas haviam saído de seus países em uma traineira de pesca lotada com aproximadamente 750 ocupantes, a maioria mulheres e crianças. O barco saiu da Líbia em direção Europa e afundou em Pylos, na Grécia. Sobre essas mortes pouco se falou.

De acordo com a ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, mais de 3 mil pessoas morrem, por ano, tentando atravessar o mar para fugirem da fome e de conflitos em seus países de origem. 

A questão dos refugiados, entretanto, é tão frequente que já não comove mais o mundo. Apenas as entidades ligadas ao problema continuam lutando para evitar essas atrocidades. 

E esse artigo é sobre isso. Sobre a capacidade da sociedade lamentar profundamente a morte de cinco pessoas que escolheram se arriscar em vez de se impactar com as milhares de mortes de quem não tem escolha. 

E como comentou, dias atrás, o jornalista Leonardo Sakamoto, não se trata aqui de uma disputa de tragédias (pois toda tragédia é uma tragédia), mas isso revela, sim, nossas prioridades como sociedade.

O que leva as pessoas a essa total inversão de valores?

Existem teorias. Entre os fatores estão o racismo, o orientalismo (linha de pensamento científico ocidental que busca, a partir de suas lentes, investigar como se comportam os estrangeiros) e o próprio discurso xenofóbico de anti-imigração. 

A verdade é que há séculos naturalizou-se a morte dos negros no mar com os navios negreiros. E não é difícil encontrar quem acredite que os refugiados querem tomar nossos lugares no mercado de trabalho. Não, eles não querem. Eles só desejam sobreviver.

A morte dos bilionários no Oceano Atlântico e a dos refugiados no Mar Mediterrâneo se unem pelo fio da desesperança. Alguns, com tudo, arriscando a vida numa aventura. E outros, com nada, arriscando a vida numa única saída. Enfim, a sociedade, definitivamente, precisa melhorar suas prioridades

Ayne Regina Gonçalves Salviano é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica. É gestora educacional.

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