ARTIGO

Morrer bem

29/05/2023 | Tempo de leitura: 2 min

A morte é a única certeza que temos na vida. Ainda assim choramos nossos mortos e nem sempre agimos de forma racional diante da partida de alguém que amamos ou queremos bem.

O luto se instala no momento da notícia. E nunca mais vai embora. Falo por mim. Eu me lembro que no enterro do meu pai, na hora que os coveiros fecharam com cimento a sepultura, senti que o mundo perdeu a cor, ficou cinza. Nunca mais fui a mesma. A gente sempre morre um pouco junto com cada um que amamos e vai embora.

É bem verdade que algumas mortes são mais fáceis de assimilar do que outras. Alguém doente nos dá o tempo necessário de entender o processo da despedida. Podemos, todos os dias, tornar os momentos especiais porque sabemos que eles podem ser os últimos.

Nossa compreensão da vida deveria ser assim, aproveitar todos os momentos como se eles fossem os últimos, mas não é. Vamos adiando encontros, conversas, sorrisos. Viagens, sonhos, festas. Passeios, leituras, autocuidado. Visitas, declarações, presentes. Não passa pela nossa cabeça que o botão de “liga-desliga” está no comando do outro, que alguns chamam de Deus, outros de destino.

Assim, quando a morte chega sem avisar, ficamos todos impactados com a nossa própria ignorância (ou autodefesa) de pensar que somos eternos, que as declarações de amor para familiares, amigos e “paixões” podem esperar.

Ficamos todos envergonhados da burrice que é viver sem aproveitar cada momento para fazer um carinho, um agrado, dizer um elogio, dar um presente, se fazer presente.

Quando a morte chega sem avisar nossa dor é pela perda, mas também autopunição. Sentimos saudades com arrependimento. Lamentamos a partida da pessoa querida e também a miséria da nossa alma, que muitas vezes se curva para a intriga, a inveja, o desamor e os mais vários tipos de violência, inclusive o esquecimento do outro em vida.

Não vencemos a morte. Por isso temos que nos preparar para ela. Mas não se trata de viver pensando em morrer. Trata-se de viver bem até morrer. O filósofo Mário Sérgio Cortella diz isso. É preciso escolher bem o que vou fazer até o dia da minha morte. E se eu escolher bem, muito provavelmente não vou me arrepender nos enterros porque já terei feito o meu melhor para aquela pessoa.

Ayne Regina Gonçalves Salviano é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica.

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