
Praticamente o tamanho de uma pequena cidade da região, ou precisamente 2.279 moradores de Araçatuba procuraram atendimento médico no ano passado contra a depressão e doenças similares da patologia.
Os números foram fornecidos pela Secretaria Municipal da Saúde junto aos Caps (Centro de Atendimento Psicossial) do município. Foram registradas 2.173 procuras nos Caps adulto, 75 no Ceap, 118 no Caps Infanto-Juvenil e 3 no Caps Álcool e Drogas.
Os dados representam pouco mais de 1% da população de Araçatuba.
Segundo a psiquiatra Olivia Ferrari, esses números são subnotificados, pois há pacientes que se tratam em clínicas particulares e outros que não buscam ajuda e sofrem sozinhos. "A depressão é uma doença comum, mas muito estigmatizada pelos leigos. É uma doença comum como qualquer outra doença, como a diabetes e a hipertensao, por exemplo. Só que pelo fato dela ser invisível, os pacientes costumam sofrer muito e até enfrentar preconceito de amigos e familiares que falam que depressão é frescura, é doença de rico, que a pessoa não quer trabalhar, que está de mimimi etc", comenta a profissional.
A médica disse que existem sete tipos de depressão e que nem todas elas apresentam o quadro clássico definido por leigos, em que a pessoa se tranca num quarto, que já tentou o suicídio e não quer conversar e nem ver ninguém.
" A depressão ataca o físico e o mental da pessoa, provoca desânimo, apatia, dores diversas, muita tristeza e a pessoa pode até tentar o suicídio se não tratada. A pessoa fica apática, nervosa e com muita letargia e lentidão. As famílias e amigos devem acolher a pessoa que esta com depressão e não fazer acusações que só vão piorar o quadro".
'Mal do século'
Já o psiquiatra Francisco Pires do Rio, um dos especialistas no tema mais experientes do interior paulista, afirma que a depressão mata e ela está presente em outros transtornos como bipolaridade, esquizoafetivo, boderline, esquizofrenia, etc.
"A depressão e o mal do século e ela vai ser a doenca mais incapacitante do mundo em poucos anos. Para ele, só o tratanento medicamentoso não resolve e a pessoa portadora dessa moléstia precisa aliar atividades físicas, consultas rotineiras, fazer psicoterapia, medicamentos e ter um bom ambiente no lar e no trabalho", pontua.
Rio também afirma que a depressão, que se caracteriza pela falta de dopamina e serotonina no cérebro, tem fortes cargas hereditárias e influência do ambiente em que a pessoa vive. "Há casos de depressões crônicas em que e o paciente vai ter que se tratar a vida inteira".
Uma dura rotina
cozinheira Luzia Arlete Vieira sofre de transtorno bipolar depressivo há mais de 20 anos e já tentou inúmeras vezes o suicídio. Afastamentos pelo INSS ela já conseguiu e até aposentadoria por invalidez. "O INSS cortou num pente-fino. Nada para mim está bom, eu sofro de uma melancolia terrível e os parentes acham que é frescura, que é mentira.. E isso piora meu quadro, ficar perto de pessoas tóxicas Eu peço muito a Deus para me livrar dessa doenca" , relata.
O trabalhador rural Joaquim Rozim, 50, se aposentou por depressão e diz que a doença é como um inferno. "Os parentes atrapalham muito meu tratamento e dizem que eu sou mole e que isso é falta de Deus".
Aumento da incidência de casos no País
O Brasil tem apresentado um aumento na incidência de casos de depressão, segundo levantamentos nacionais de saúde. De acordo com a Pesquisa Vigitel 2021, um dos mais amplos inquéritos de saúde do país, em média, 11,3% dos brasileiros relataram ter recebido um diagnóstico médico da doença. A frequência foi maior entre as mulheres (14,7%) em comparação com os homens (7,3%).
Os dados foram divulgados pelo Ministério da Saúde. Ao todo, 27.093 pessoas com 18 anos ou mais, residentes em todas as capitais brasileiras e no Distrito Federal, foram entrevistadas entre os meses de setembro de 2021 e fevereiro de 2022.
A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019, apontou que 10,2% das pessoas com 18 anos ou mais receberam o diagnóstico de depressão. O índice foi maior do que o encontrado em 2013 na mesma pesquisa, que foi de 7,6%. De acordo com a PNS, os números de 2019 representam 16,3 milhões de pessoas com a doença.
15 minutos de higiene da saúde mental podem mudar todo o seu dia
O neurocirurgião Fernando Gomes alerta para um surto de ansiedade coletiva e afirm que esse fenômeno acende um alerta em especial sobre a saúde mental de estudantes.
“A depressão é uma doença que podemos considerar neuropsiquiátrica, crônica e que pode ser recorrente e muito mais do que tristeza. Um dos sinais acaba sendo a tendência do humor ficar muito próximo do que a gente conhece naturalmente de tristeza, de uma forma que esse traço pode se explicar por questões relacionadas ao próprio funcionamento do cérebro alterado e de neurotransmissores”, explica Gomes.
A condição também está associada a alterações no apetite com reflexos no peso, perda da qualidade do sono, baixa autoestima e redução da libido.
Segundo o neurocirurgião, a depressão também provoca impactos diretos no funcionamento do cérebro. O quadro clínico pode afetar a região do hipocampo, associada à memória, da amígdala, que representa a forma de interpretar e responder aos estímulos, do córtex cerebral, que concentra pensamentos, e do tálamo, estrutura envolvida no processamento dos estímulos externos e sensoriais.
As causas da depressão podem ser multifatoriais, incluindo componentes genéticos, bioquímicos e eventos traumáticos. Entre os fatores de risco estão transtornos psiquiátricos, estresse crônico, disfunções hormonais, alcoolismo e uso de drogas, além de doenças crônicas.
O diagnóstico é clínico e deve ser realizado por médico após conversa com o paciente e avaliação do estado mental. O tratamento pode ser feito a partir da combinação de medicamentos e psicoterapia.
O site Mapa da Saúde Mental permite a consulta de locais que oferecem o atendimento psicológico gratuito, voluntário ou com preços acessíveis no Brasil.
Segundo o Ministério da Saúde, desde o lançamento da política, mais de 122 mil brasileiros foram capacitados com orientações sobre condutas e abordagens voltadas para a saúde mental.
Parte das Ações de Educomunicação em Saúde em Defesa da Vida, o curso é direcionado para profissionais de saúde, educadores das redes pública e privada, profissionais dos conselhos tutelares, líderes de associações religiosas, corporações militares, entidades beneficentes e movimentos sociais.
O site do Mapa da Saúde Mental pode ser acessado por qualquer pessoa, especialista ou mesmo leigal. Lá é possível encontrar um guia de ajuda, com orientações técnicas e seguras sobre como proceder (https://mapasaudemental.com.br/).
Conheça sinais que podem indicar problemas na saúde mental:
- Diminuição importante de energia e cansaço excessivo
- Alterações de sono
- Diminuição da concentração
- Dificuldade para manter os compromissos em ordem
- Dificuldade para sentir prazer em atividades que anteriormente eram agradáveis
- Irritabilidade excessiva
- Dificuldade de fazer planos para o futuro
- Diminuição do autocuidado e higiene
(*Fonte: Joana Singer Vermes, pesquisadora do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo)
Um recado importante do CVV, referência nacional de apoio
O Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza anualmente o "Setembro Amarelo", dedicado à prevenção ao suicídio. Mas a mensagem da central nacionalmente conhecida por atender a todos que precisam de ajuda por meio do telefone 188 é atual, em qualquer dia do ano: "Falar é a melhor solução”.
E porque seria? Segundo o CVV, a primeira razão é a quebra de tabus e o enfrentamento do problema. O suicídio é uma questão de saúde pública, que leva 32 brasileiros por dia, mais do que o HIV ou muitos tipos de câncer, por exemplo. Especialistas apontam que é possível prevenir o suicídio, desde que a sociedade esteja munida de informações e conhecimento. Por isso, é preciso falar.
A sociedade em geral precisa reconhecer sinais, diferenciar mitos e verdades, ouvir profissionais e ter acesso a formas de apoio, como o próprio CVV. Falar também é a melhor solução quando enxergamos pelos olhos de quem pensa em suicídio. Em comum, essas pessoas sofrem uma grande dor e não veem saída para ela, chegando a pensar no suicídio como uma forma de “matá-la”. Em geral, quem pensa em suicídio não quer necessariamente morrer, mas fazer aquela dor sair, mas não sabe como.
A dor, portanto, de acordo com o CVV, precisa ter fim, de alguma forma. Assim como os outros sentimentos, como alegria, orgulho, amor, a dor precisa ser expressa, senão sufoca. Por isso, o CVV se coloca à disposição para todos que queiram falar sobre o que estão sentindo, para possibilitar que a dor saia por meio de palavras, e não por atos de agressão contra si e contra os outros.
A orientação é para quem precisar falar sobre algo, para acessar o www.cvv.org.br e conferir as diversas formas de atendimento disponíveis, inclusive online.
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