A vida não para…
“Quem vai depressa demais, deixa a alma para trás. Nós estamos todos nos levando”. Esse é um antigo ditado dos índios Guaranis, da Região das Missões, no Rio Grande do Sul.
Outro dia cruzei com um cortejo fúnebre. Virei a esquina absorta em meus pensamentos e dei de cara com a longa fila de carros puxada pelo carro funerário, todos lentos e tristes. Parei meu carro e imediatamente lembrei minha infância, quando morava perto de um grande cemitério da cidade. Quando passava um cortejo rumo ao enterro, todos paravam o que quer que estivessem fazendo e permaneciam imóveis enquanto os carros passavam. Algumas lojas baixavam suas portas pela metade, em respeito ao defunto desconhecido, e todos os demais veículos paravam esperando o cortejo passar.
Hoje não mais. A vida ficou muito corrida para reverenciar a morte, que já não causa mais tanta comoção. Carros, motos, bicicletas passam normalmente ao lado do cortejo, mal diminuem a velocidade, alheios à dor da família e dos amigos ali alinhados. Cortejo esse que fica cortado em pedaços, já que alguns ficaram para trás retidos em algum semáforo, ou porque vinham em uma via não preferencial, ou por qualquer outra regra de trânsito que deve ser respeitada e não tem relação alguma com a finitude de cada um de nós.
Encontrar um cortejo fúnebre em pleno dia útil, em horário comercial, atrasada para uma das minhas infindáveis tarefas, fez ecoar em minha mente a poesia de Lenine na sua obra-prima, a música “Paciência”: “Será que é o tempo que me falta para perceber? Será que temos esse tempo para perder? E quem quer saber? A vida é tão rara…”
Um dia pararemos. E então nosso corpo seguirá carregado sem nossa alma. Somente um corpo. Mas a pressa, a correria, o caos ao redor prosseguirá. Exatamente como os carros que ultrapassavam o cortejo dias atrás. Melhor então diminuir o passo e deixar nosso corpo aproveitar ao máximo a companhia da nossa alma.
Ana Laura de Almeida é cirurgiã dentista
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