Opinião

A psicologia e a fenomenologia da preguiça - Por Claudemir Gomes

Por Redação |
| Tempo de leitura: 6 min

Vamos tentar hoje, se a preguiça deixar, falar um pouco sobre esse sentimento que todos nós sentimos muito bem. Não conheço ninguém que não o sinta. Sei de alguns que sentem demais, vivem o dia inteiro em sua companhia. Lembro de alguém que de tanto deitar em seu sofá de plástico, já o trocou sete vezes. De vez em quando ele reclama que os sofás de hoje não são bons, pois o lugar onde ele se assenta sempre faz buraco. Outros preferem a cama. Dormem quase o dia inteiro. Reclamam que tem dor de cabeça e, para tanto, não precisa ser médico para fechar o diagnóstico, a não ser que a pessoa tenha uma genética de cobra, que nasceu para viver deitada (?), mesmo estando em pé, pois de outro modo, não há cabeça que aguenta ou não sinta dor. Ela não pertence a uma classe social, pois se encontra em todas. A palavra preguiça vem do Latim como pigritia, derivado de piger, "preguiçoso". A preguiça é uma condição que nasceu com a vida. Está presente em todas as espécies animais. É normal que a sintamos. Quando se faz frequente pode ser uma questão de déficit de alguns minerais que regulam a saúde. Nesse caso é bom ir ao médico para a realização de exames clínicos. Ela tem duas faces. Uma é positiva e necessária para a manutenção do corpo, pois nela ocorre a reposição das forças produtivas. A outra é negativa, faz mal ao corpo, pois tripudia o tempo e as oportunidades de se viver. Todavia, quando assume uma outra performance comportamental, ela gera confusão e dizemos que o indivíduo sempre demonstra indolência, leseira, moleza, vadiagem, malemolência, vagabundagem como sinônimo de preguiçoso. Dependendo de um ou de outro comportamento, assim a qualificamos. O fato é que ninguém suporta um preguiçoso. Mas o que é a preguiça? Sua história é longa e nem sempre ela foi a vilã dos comportamentos. Houve época em que ela era chique. Era mais importante que o trabalho. Toda realeza, para ser séria, deveria sustentar o ócio, e demonstrar uma certa preguiça, pois o trabalho era função dos escravos. Não fazer nada era símbolo de riqueza, e escondia um certo charme.A psicologia observa a preguiça, enquanto atitude ou condição orgânica, em seus sintomas mais frequentes. O primeiro sintoma se dá com a inversão dos valores, pois as pessoas não se atem a nada. Perdem a razão e a motivação de sustentar uma simples rotina. É do preguiçoso dizer: lavar as mãos para quê? Tomar banho é coisa da cultura. Não quero sair hoje pois dá muito trabalho o ir e vir. Não tenho vontade de fazer nada. A vida não tem sentido. Pentear cabelo? Para quê? Trabalhar? Ganhando só isso? É visível, no preguiçoso, a falta de perspectiva de trabalho e de crescimento profissional. O segundo sintoma pode ser compreendido nas palavras do professor de teologia bíblica da PUC-Rio Isidoro Mazzarolo, "O preguiçoso não é solidário nem construtivo, não é outra coisa senão um parasita que espera que os outros façam as coisas por ele A preguiça é considerada um pecado porque é a negação do desenvolvimento da pessoa", diz Mazzarolo. O terceiro sintoma, segundo o psiquiatra da USP, Renério Fráguas Júnior, "a preguiça pode ser considerada ainda uma doença. Ela pode se manifestar nos níveis motor, cognitivo ou afetivo" "É comum ouvir que uma pessoa nessas condições 'não se ajuda', 'não vai atrás', mas são escolhas que fogem do seu controle. Seu processamento neurobiológico está diferente", afirma o psiquiatra. O quarto sintoma, pode ser aquele onde a preguiça não nos deixa sair da cama para nada, seja para ir à academia, seja para uma festa com os amigos. Face aos sintomas, nos permitimos algumas sugestões: 1 - para vencer os quadros mais leves, sabe-se que psicoterapia aliada a atividade física é uma alternativa de tratamento. "O exercício provoca a liberação de endorfinas, que atuam no sistema nervoso central, causando sensação de bem-estar e melhora do humor. A melhora da aparência física faz bem à autoestima, e ajuda na disposição e no ânimo", afirma Fráguas Júnior; 2 - nos casos mais graves, fica difícil escapar da medicação. A maioria dos antidepressivos aumenta a concentração de neurotransmissores no cérebro a fim de facilitar a comunicação entre os neurônios. Os mais utilizados atuam na produção de serotonina - cuja baixa presença no organismo é uma das causas da depressão, como sintoma de preguiça, segundo Fráguas Júnior; 3 - antes de julgar qualquer pessoa que passa os dias deitada no sofá, vale sugerir que ela procure ajuda médica - vai que aquela preguiça é mais que simples vagabundagem; 4 - exercer o princípio da análise crítica. Analisar o contexto cultural da família, da sociedade e do mercado empregador, permitirá novas compreensões sobre o fenômeno; 5 - sentir o estado de ânimo da pessoa, suas frustrações, iniciativas e perspectivas que não chegaram a um bom desempenho, causando com isso uma certa descrença na possibilidade de ser diferente, será sempre positivo; 6 - estar ao lado dessa pessoa, apoiá-la, e acreditar que vai dar certo, é uma atitude que soma esperança naquele que sente o vazio da vida. Com tudo isso, queremos dizer que a preguiça é mais do que uma verdade e que ela pode ser o indicativo de várias coisas, inclusive uma doença. Estar atento aos sintomas, às fases do comportamento, às atitudes exercidas no cotidiano será sempre uma forma de ajuda que devemos prestar àquele que padece ou exerce a malandragem. Todavia, naquele em que vemos a malandragem, do tipo não quero fazer nada, mas que em um minuto fica todo animado para curtir uma festa ou ir para a balada, a maneira de tratá-lo será diferente. Ao buscar compreender o preguiçoso, siga esses passos: a) tente focar nas coisas que dão prazer a ele, comente positivamente tudo o que ele faz. Permita que ele fale das realizações obtidas em eventos que participou e que possa se ver como alguém produtivo. Promova suas iniciativas para algo maior; b) chame os amigos dele para a sua casa. Converse com eles. Veja os que eles estão fazendo de bom. Sugira algumas ideias produtivas sobre o assunto. Seja positivo com eles. Acredite neles. Sorria e aposte que eles conseguirão realizar coisas maiores; c) permita que ele fale sobre o que espera da vida e do que poderá acontecer em um futuro próximo. Permita que ele acredite na sua força, pois assim ele se sentirá mais forte; d) Se ele estiver ligado a algum consumo de droga, fale abertamente sobre o assunto e proponha alguns caminhos de tratamento. Acompanhe essa trajetória acreditando nele. Provoque as lembranças positivas de eventos anteriores; e) converse e demonstre a aceitação positiva incondicional, pois ela é uma grande ferramenta na reconquista do seu filho. Sem você, ele estará nas mãos de pessoas que não se importam com ele, apenas o usará para fins ilícitos; f) acredite no processo de crescimento e de maturação da vida. Às vezes o tempo dá conta de consertar tudo, independentemente do que você possa ou não fazer. Lembre-se: a vida do seu filho é a vida dele e ele tentará achar o caminho, no tempo certo de sua vida ou se perderá no caminho. Se isso acontecer, não se culpe, pois é justamente quando nos perdemos que conseguimos ver outros caminhos possíveis.
Prof. Me. Claudemir Gomes - (gomespsi41@gmail.com) Psicólogo e supervisor clínico da abordagem fenomenológica

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