"Ninguém poder servir a dois senhores; porque, ou odiará a um e amará ao outro, ou se afeiçoará a um e desprezará o outro. Não podeis servir, ao mesmo tempo, a Deus e a Mamon" (Lucas, cap. XVI, v. 13).
A questão central registrada pelo evangelista Lucas aponta para a opção entre servir a Deus ou a Mamon. Este último personifica a riqueza material ou cobiça. Ou seja, ficar submisso a prioridades de ordem material.
Em nossa ótica, a Parte 3a de O Livro dos Espíritos sinaliza claramente com princípios cristãos sob a ótica do Espiritismo, como uma proposta para uma nova sociedade. Posteriormente, Allan Kardec dedica todo um capítulo em O Evangelho Segundo o Espiritismo, tendo o citado registro de Lucas como tema central.
No exame das obras de Kardec e de autores espirituais, como Emmanuel, pela psicografia de Chico Xavier, fica claro o papel social e as repercussões espirituais dos bens materiais bem utilizados, quando se supera as ações movidas pelo egoísmo e se destaca o bem coletivo. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo está o alerta espiritual de que "o egoísmo, esta chaga da humanidade, deve desaparecer da Terra, porque impede o seu progresso moral".
O Espiritismo esclarece que a opção entre altruísmo e o egoísmo é continuadamente colocada frente ao livre-arbítrio dos indivíduos nas suas relações familiares, interpessoais em geral e no contexto da sociedade de uma forma mais ampla.
A História é repleta de histórias de vida de personagens que souberam aplicar seus vastos recursos materiais em benefício da sociedade.
Nas possibilidades de utilização dos recursos materiais é sempre oportuna a reflexão com base em parâmetros cristãos, na proposta do "amor ao próximo como a si mesmo" e nos limites éticos e morais. A propósito, torna-se oportuna a recomendação do apóstolo Paulo: "Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm; todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas edificam" (I Coríntios, 10.23).
Por outro lado, mesmo nas searas religiosas, muitas vezes pode predominar a influência relacionada com o significado de Mamon. Aí acontecem os apegos a questões e interesses materiais em práticas religiosas e a valorização de bens que extrapolam os limites do necessário e passam a representar o encanto por obras monumentais. A análise da história do Cristianismo pode ilustrar e oferecer muitos subsídios para oportunas reflexões.
A essa altura é cabível a recordação da posição clara e marcante do apóstolo Paulo evidenciada em comentários judiciosos de Herculano Pires: "Ele libertava a religião da política e do negócio. Para ele, a religião tinha que ser vivida em si mesma e vivida com toda a independência moral" (livro Cristianismo nos séculos iniciais. Análise histórica e visão espírita, de minha autoria).
A essência e a priorização de objetivos bem planejados para obras e para práticas em geral podem ser fundamentadas em registro de Atos dos Apóstolos (3, 6), em expressiva observação de Pedro, dirigindo-se a um pedinte, coxo de nascença, que o abordou na entrada do templo: "Não tenho nem ouro nem prata, mas o que tenho eu te dou: em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda!"
Trata-se da enorme diferença no significado de dois verbos: "ser" e "ter". A noção do "ser" bem cultivado pode ser tão abrangente que sobrepuja a ideia do "ter". Os valores e hábitos do "ser" trabalhados no diapasão espiritual ampliam as possibilidades para a prática do bem ao próximo.
A determinação do "levanta-te e anda" pode ser simbolicamente estendida para o conceito de educação espiritual: um convite para levantarmo-nos do "terra-a-terra", das coisas de Mamon, e buscarmos a compreensão das Leis de Deus. Neste contexto, para se andar de maneira consciente, há necessidade de autonomia moral com base em convicções espirituais.
Antonio Cesar Perri de Carvalho é ex-presidente da Federação Espírita Brasileira (FEB) e da União das Sociedades Espíritas (USE) do Estado de São Paulo. O araçatubense descreve esta Face Espírita/Ano 11 para publicação na Folha da Região.
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