SAÚDE

Como compreender e tratar o transtorno afetivo bipolar

Entender a bipolaridade e receber apoio adequado são fundamentais para lidar com os desafios e manter uma vida produtiva.

Por Da Redação | 19/04/2024 | Tempo de leitura: 11 min

Jornal de Piracicaba

Leonardo Faza Tostes, clínico geral cursando pós-graduação em psiquiatria, do Santa Casa Saúde Piracicaba
Leonardo Faza Tostes, clínico geral cursando pós-graduação em psiquiatria, do Santa Casa Saúde Piracicaba

O transtorno afetivo bipolar afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Dividido em diferentes tipos, seus sintomas variam desde episódios de euforia intensa até períodos de profunda depressão. Mas o que realmente é esse transtorno e como ele pode impactar a vida diária de quem o enfrenta?

Leonardo Faza Tostes, médico do Santa Casa Saúde Piracicaba, clínico geral cursando pós-graduação em psiquiatria, aborda nesta entrevista desde os diferentes tipos de transtorno bipolar até os tratamentos disponíveis, passando pela importância do apoio familiar e a prevenção de episódios. Com informações detalhadas e dicas práticas, ele fornece uma visão abrangente sobre o transtorno bipolar e como enfrentá-lo de maneira eficaz.

Saiba como compreender, tratar e conviver com o transtorno bipolar e como a informação e o apoio de especialistas podem fazer toda a diferença na qualidade de vida de quem vive com essa condição.

 1 - Quais são os diferentes tipos de transtorno bipolar?

 O transtorno bipolar é dividido basicamente em três tipos principais. O Bipolar tipo I caracteriza-se por episódios maníacos, podendo incluir períodos depressivos, com manias durando uma semana ou exigindo hospitalização. Episódios maníacos envolvem humor elevado ou irritabilidade e um aumento de energia, podendo incluir sintomas psicóticos. O Bipolar tipo II envolve depressão e episódios de hipomania, que são menos intensos que a mania e não afetam tanto o dia a dia quanto um episodio maníaco. A Ciclotimia apresenta flutuações de humor mais leves, com sintomas hipomaníacos e depressivos por dois anos em adultos ou um ano em crianças, sem cumprir critérios para episódios maníacos ou depressivos maiores. Existem ainda pessoas que apresentam transtornos dentro do espectro bipolar, mostrando alterações importantes e similares ao transtorno bipolar, mas que não se enquadram exatamente nos três tipos citados acima.

 2 - Quais são os sintomas de cada tipo de transtorno bipolar?

O transtorno bipolar tipo I envolve episódios maníacos com euforia ou irritabilidade, hiperatividade, impulsividade (incluindo gastos e sexualidade exacerbada), pensamentos e fala acelerados, ideias grandiosas, redução do sono, e possíveis sintomas psicóticos. Episódios depressivos caracterizam-se por tristeza, perda de interesse, fadiga, problemas de concentração, alterações no sono e apetite, e pensamentos de morte ou suicídio.

O tipo II apresenta episódios de hipomania, com humor elevado, mais energia, impulsividade leve, fala rápida, criatividade, e menos necessidade de sono, sem prejuízos tão significativos quanto em um episódio maníaco. Seus episódios depressivos, semelhantes aos do tipo I, são mais frequentes.

A ciclotimia combina sintomas hipomaníacos e depressivos leves, normalmente não apresentando critérios formais para ser de fato considerado um episódio, apesar das alterações. A duração deve ser de pelo menos 2 anos para adultos ou 1 ano para crianças, sem atingir a severidade de episódios maníacos ou depressivos maiores.

3 - O que pode causar o transtorno bipolar?

O transtorno bipolar origina-se de uma combinação de fatores genéticos, bioquímicos, ambientais e psicológicos. A genética tem um papel importante, com maior prevalência em indivíduos com histórico familiar. Bioquimicamente, está associado a desequilíbrios de neurotransmissores como serotonina, dopamina e noradrenalina. Fatores ambientais, como estresse significativo, perdas, divórcio e desemprego, podem disparar episódios em predispostos. Mudanças na vida e traumas, como ter sofrido abusos, também podem influenciar. Psicologicamente, estilos de enfrentamento ao estresse e dificuldades em expressar emoções aumentam a vulnerabilidade.

Vale ressaltar que a presença desses fatores, contudo, não garante o desenvolvimento do transtorno.

 4 - O transtorno bipolar é hereditário?

 O transtorno bipolar é amplamente reconhecido por sua forte componente hereditária, indicando uma propensão para a condição se manifestar em famílias. A existência do transtorno em um membro familiar eleva o risco de outros familiares desenvolverem a mesma condição, embora isso não assegura sua transmissão. A herança do transtorno bipolar é complexa, sendo influenciada por múltiplos genes, ao invés de um único gene, o que torna sua transmissão genética multifatorial complexa.

Algumas pesquisas identificaram diversas regiões genéticas associadas ao transtorno bipolar, mas nenhum gene específico foi consistentemente vinculado à condição em todas as populações examinadas. Acredita-se que o transtorno resulte da interação de vários genes, com cada um contribuindo modestamente para o aumento do risco, juntamente com fatores ambientais que podem afetar a expressão desses genes.

A consciência de que o transtorno bipolar tem uma base genética pode ajudar a reduzir o estigma associado à condição, reconhecendo-a como uma doença médica que requer compreensão, tratamento e suporte, similar a condições físicas hereditárias.

 5 - Como o transtorno bipolar é diagnosticado?

 O diagnóstico do transtorno bipolar é clínico, ou seja, baseado em uma avaliação detalhada dos sintomas, histórico médico e, muitas vezes, relatos de familiares ou pessoas próximas ao paciente.

 O médico conduz uma entrevista detalhada com o paciente para entender seus sintomas, histórico de saúde mental, e histórico familiar de doenças psiquiátricas. Essa entrevista pode explorar a frequência, duração, e intensidade dos episódios de humor, bem como o impacto desses episódios na vida do paciente.

 Na entrevista com o paciente, o profissional de saúde também fará perguntas para elucidar possíveis diagnósticos diferenciais para explicar o quadro. O uso de substâncias, por exemplo, sem drogas ou medicações, podem ser as responsáveis pela mudanças de humor e mimetizar um quadro de transtorno bipolar.

Os critérios diagnóstico são estabelecidos pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) ou pela Classificação Internacional de Doenças (CID).

 6 - Existem exames físicos ou laboratoriais para diagnosticar o transtorno bipolar?

 Exames físicos ou laboratoriais não diagnosticam diretamente o transtorno bipolar, mas podem ser úteis para descartar condições médicas similares. Problemas de tireóide, por exemplo, podem afetar o humor e energia, mimetizando os sintomas do transtorno bipolar em episódio depressivo ou maníaco. Exames de sangue avaliam níveis hormonais, anemia, eletrólitos, e funções renal e hepática. Exames toxicológicos detectam substâncias ilícitas ou confirmam a aderência a medicamentos. Embora não rotineiros, exames de imagem como ressonância magnética e tomografia computadorizada podem excluir tumores ou anormalidades cerebrais. Testes neuropsicológicos avaliam funções cognitivas, auxiliando na identificação de padrões relacionados ao transtorno ou outras condições.

7 - Qual é o tratamento para o transtorno bipolar?

 O tratamento do transtorno bipolar é uma abordagem abrangente que combina medicamentos, terapia psicológica, e suporte psicossocial, visando reduzir a frequência e a gravidade dos episódios maníacos e depressivos, estabilizar o humor e aprimorar a qualidade de vida do paciente.

 No cerne do tratamento farmacológico estão os estabilizadores de humor, que são medicações que atuam tanto na fase depressiva quanto na fase maníaca do transtorno. O lítio é um dos mais conhecidos exemplos dos estabilizadores de humor, sendo uma das medicações mais frequentemente usadas tanto para mania quanto para depressão com o benefício importante de ter seu uso associado a diminuição no risco de suicídio. Medicamentos anticonvulsivantes, como valproato, lamotrigina e carbamazepina, embora originalmente desenvolvidos para epilepsia, também são empregados como estabilizadores de humor. Antipsicóticos, particularmente os atípicos como quetiapina, olanzapina e risperidona, também são opções terapêuticas muito importantes e eficazes.  Os antidepressivos são utilizados com cautela, frequentemente em combinação com um estabilizador de humor, para evitar o risco de indução de mania ou aceleração do ciclo de humor.

 A terapia psicológica também é fundamental, com a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) ajudando pacientes a reconhecer e alterar padrões negativos de pensamento e comportamento, além de desenvolver estratégias de enfrentamento.

 Mudanças no estilo de vida e intervenções complementares, como manter uma rotina diária, praticar exercícios físicos regularmente e evitar álcool e drogas ilícitas, são recomendadas para ajudar na estabilização do humor. O monitoramento e ajuste contínuo do tratamento através de consultas regulares com profissionais de saúde permitem a avaliação da eficácia do tratamento, o ajuste dos medicamentos quando necessário e o manejo de efeitos colaterais. Além disso, desenvolver um plano de ação para crises garante preparação em caso de emergência ou agravamento dos sintomas.

 8 - O transtorno bipolar tem cura?

 Até o momento, o transtorno bipolar não é considerado "curável" no sentido tradicional, onde um tratamento pode eliminar completamente a doença. No entanto, com um plano de tratamento eficaz e personalizado, muitas pessoas com transtorno bipolar podem gerenciar seus sintomas, reduzir a frequência e a severidade dos episódios, e levar uma vida plena e produtiva.

 Viver com transtorno bipolar exige compreensão e adaptação tanto por parte dos indivíduos afetados quanto de suas redes de apoio. Com o tratamento e as estratégias adequadas, os indivíduos podem gerenciar eficazmente seus sintomas e reduzir o impacto da doença em suas vidas. Embora o transtorno bipolar permaneça uma condição ao longo da vida, o tratamento pode permitir que as pessoas mantenham um equilíbrio saudável do humor e desfrutem de uma qualidade de vida significativamente melhorada.

 9 - Como o transtorno bipolar pode afetar o cotidiano de quem convive com esta condição?

 O transtorno bipolar impacta significativamente o cotidiano, afetando relacionamentos, trabalho, estudos, e a saúde física. A comunicação pode ser difícil durante episódios maníacos ou depressivos, gerando conflitos e mal-entendidos com amigos e familiares. A variabilidade de humor pode causar irritabilidade e isolamento, prejudicando relações e responsabilidades familiares. No trabalho ou estudos, oscilações de humor afetam a concentração e produtividade; episódios de mania podem levar a decisões impulsivas, enquanto a depressão reduz energia e motivação. A saúde física pode ser comprometida devido à dificuldade em manter rotinas saudáveis e decisões prejudiciais durante episódios maníacos. Financeiramente, gastos impulsivos durante a mania podem gerar dívidas e instabilidade. Apoio de familiares, amigos, e grupos, além de educação sobre a condição e adaptações no trabalho, são essenciais para manejar os desafios e manter uma vida produtiva.

 10 - Quais são os riscos do transtorno bipolar não tratado?

Os Os riscos do transtorno bipolar não tratado incluem episódios mais frequentes e graves de mania e depressão, alto risco de pensamentos e tentativas de suicídio, além de suicídio consumado. A falta de tratamento aumenta o risco de comorbidades psiquiátricas, como ansiedade e transtornos de abuso de substâncias, e contribui para problemas de saúde física, como doenças cardíacas e diabetes. Impacta negativamente as relações sociais, causando isolamento e rupturas nos relacionamentos pessoais e profissionais. As consequências profissionais e financeiras incluem dificuldade em manter empregos e estabilidade financeira devido a decisões impulsivas e gastos excessivos. O abuso de substâncias e comportamentos de risco são comuns, assim como a negligência no autocuidado, afetando a saúde física e mental e reduzindo a qualidade de vida e bem-estar a longo prazo.

11 - Como posso prevenir os episódios de mania e depressão?

Para prevenir episódios de mania e depressão no transtorno bipolar, é importante manter tratamento contínuo, aumentar o autoconhecimento e adotar um estilo de vida saudável. Seguir rigorosamente o plano de tratamento, incluindo medicação prescrita e terapia, é crucial. Monitorar o humor e reconhecer sinais precoces de episódios ajuda na intervenção precoce. Manter uma rotina de sono regular, exercitar-se, alimentar-se de forma balanceada e evitar álcool e drogas contribuem para a estabilidade do humor. Técnicas de relaxamento e atividades prazerosas ajudam no manejo do estresse. O apoio de amigos, família e grupos de apoio é vital, assim como educá-los sobre o transtorno. Ter um plano de ação para crises preparado também é uma estratégia eficaz para agir rapidamente diante dos primeiros sinais de episódios maníacos ou depressivos.

  Quais são os efeitos colaterais dos medicamentos para o transtorno bipolar? Medicamentos para o transtorno bipolar são essenciais para controlar a condição, mas podem causar efeitos colaterais variáveis. Estabilizadores de humor, como o lítio, podem provocar sede excessiva, frequência urinária aumentada, ganho de peso e tremores. Anticonvulsivantes podem levar a fadiga, tontura e perda de cabelo, além de riscos de danos ao fígado ou distúrbios sanguíneos. Antipsicóticos atípicos podem causar aumento de peso, sedação, tremores e síndrome metabólica. Antidepressivos, usados com cautela, podem induzir variações de peso, insônia ou sonolência e disfunção sexual. Gerenciar esses efeitos envolve monitoramento regular, ajuste de doses, troca de medicamentos quando necessário e, em alguns casos, tratamento específico para os efeitos colaterais.

13  -Com que frequência a pessoa com esse transtorno deve consultar o psiquiatra?

 A frequência de consultas ao psiquiatra para quem tem transtorno bipolar varia conforme a fase do tratamento e necessidades individuais. Inicialmente, ou durante episódios agudos de mania ou depressão, consultas podem ser semanais para ajuste de medicação e monitoramento de efeitos colaterais. Com a melhora e estabilização, espaçam-se para cada 2 a 4 semanas. Na manutenção, onde se monitora a eficácia a longo prazo e previne recaídas, as consultas podem ser de 2 a 6 meses. Fatores como estresse significativo, mudanças de vida, ou alterações na medicação podem demandar consultas mais frequentes. Em crises, consultas imediatas são necessárias.

 14  -Como abordar a família e amigos sobre o transtorno bipolar?

 Abordar amigos e família sobre o transtorno afetivo bipolar requer sensibilidade e preparação. É essencial escolher um momento adequado, quando todos estejam dispostos a ouvir, e considerar a possibilidade de preparar o que dizer antecipadamente, talvez anotando pontos-chave ou escrevendo uma carta. É importante educar os outros sobre o transtorno, compartilhar sua experiência pessoal, e explicar como eles podem oferecer suporte. Ser específico sobre o tipo de ajuda que você precisa e estabelecer limites claros são passos importantes. Esteja preparado para uma variedade de reações e lembre-se de que algumas pessoas podem precisar de tempo para processar as informações. Se necessário, buscar o apoio de um profissional de saúde mental pode ser útil para navegar esta conversa delicada. Avançar no seu próprio ritmo e de uma forma que se sinta confortável é fundamental, assim como buscar suporte em grupos de pessoas que enfrentam desafios semelhantes.

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