ARTIGO

130 anos do Colégio Dom Bosco-Assunção

Por Armando Alexandre dos Santos | 05/09/2023 | Tempo de leitura: 4 min

Escrevo este artigo nos últimos dias de agosto, do corrente ano de 2023. Há precisamente duas semanas, no dia 15 deste mês, festividade litúrgica de Nossa Senhora da Assunção, comemorou-se o 130º. aniversário do Colégio Salesiano Dom Bosco-Assunção, uma instituição de ensino que constitui um dos títulos de glória da cidade de Piracicaba, justamente considerada outrora como a Atenas Paulista.

Nossa Senhora da Assunção era, no Medievo português, designada como Nossa Senhora de Agosto, porque sua festividade se celebrava nesse mês do ano. Recebia também as designações de Nossa Senhora da Boa Morte e Nossa Senhora da Glória, marcando o fim da vida terrena da Santíssima Virgem e sua Assunção gloriosa ao Paraíso, conduzida em corpo e alma pelos Anjos.

O aniversário do Colégio Dom Bosco me faz retomar um assunto que já tive ocasião de abordar, há alguns anos, com os leitores do Jornal de Piracicaba: refiro-me às articulações havidas, na segunda metade do século XIX, entre a Princesa Isabel (1846-1921), filha mais velha e herdeira presuntiva da coroa imperial de D. Pedro II, e São João Bosco (1815-1888), o sacerdote italiano que fundou a Congregação Salesiana e se destacou como grande educador da juventude. Mesmo depois de sua canonização, em 1934, continuou a ser carinhosamente tratado como “Don”, como costumam sê-lo os sacerdotes na Itália.

A Princesa três vezes regeu de facto o Império, durante viagens de seu pai pela Europa, pelo Oriente Próximo e pelos Estados Unidos. No total, ela esteve à testa do Império brasileiro durante três anos e meio e pode ser considerada a primeira mulher a efetivamente exercer nas Américas uma chefia de Estado. Era enérgica, dotada de personalidade forte, extremamente inteligente e muito determinada, desde jovem, a fazer tudo o que a Constituição Imperial lhe permitisse para eliminar a vergonhosa chaga da escravidão no Brasil. Mas era, também, muito realista e sabia que esse passo não poderia ser precipitado; pelo contrário, precisava ser preparado com os devidos cuidados, para evitar que o remédio - como se diz na linguagem popular - não fizesse mais mal que a doença.

De fato, ela conhecia bem a situação dos negros no Brasil e, com profundo senso de realidade, queria para eles o melhor. O melhor, no caso, não seria uma libertação açodada, mas uma libertação que fosse preparada cuidadosamente e que, depois, fosse acompanhada de medidas adequadas para a inserção condigna dos libertos na sociedade brasileira. Com muita lucidez, a Princesa se colocava diante de um problema muito sério: qual seria o “day after” dos escravos, uma vez libertados do cativeiro? Habituados a muitos séculos de escravidão, primeiro no continente africano de origem, depois no Novo Mundo, o que lhes aconteceria se de repente se vissem plenamente responsáveis pelos seus atos e tendo que prover por sua própria iniciativa ao suprimento de suas necessidades? Como se daria a adaptação à vida livre de quem carregava consigo o peso atávico de uma tão prolongada servidão, ainda mais no contexto de uma sociedade que conservaria costumes e hábitos mentais profundamente impregnados da mentalidade escravagista? Como fazer a emancipação total dos escravos, sem prolongar sua triste condição de dependência e subserviência disfarçada sob as aparências de uma liberdade meramente pro forma?

Todo esse conjunto de questões a Princesa tinha bem presente em seu espírito, e em função dele procurava adequar sua estratégia política. O mesmo, aliás, fazia seu pai, o Imperador. A opção imperial pela emancipação por etapas se adequava a essa estratégia. Primeiro, a proibição do tráfico negreiro, em 1850, quando a Princesa era ainda menina de 4 anos; depois, a Lei do Ventre Livre (sancionada pela Princesa em 1871, durante seu primeiro período de Regência); algum tempo depois, a Lei dos Sexagenários (sancionada pelo Imperador em 1885); e, por fim, a Lei Áurea, que, num clima de grande entusiasmo popular, aboliu definitivamente a escravidão no Brasil. Quando, no dia 13 de maio de 1888, a Princesa assinou a Lei Áurea, os escravos afinal libertados constituíam apenas uma minoria dos afrodescendentes. Somente 16% dos descendentes de escravos aqui trazidos pelo tráfico negreiro, durante mais de 300 anos, ainda eram escravos naquele momento. 84% já estavam emancipados, ou em virtude das leis abolicionistas anteriormente promulgadas, ou por efeito do trabalho emancipador lento, mas constante, benemérito e bem sucedido, das tradicionais Irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, presentes e atuantes em todo o Brasil. O papel dessas confrarias foi muito bem estudado pelo Prof. Caio César Boschi, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História, e pela minha amiga Profa. Antônia Quintão dos Santos Cezerilo, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.

Uma das táticas desenvolvidas pela Princesa para facilitar a integração condigna e justa dos antigos escravos na dinâmica social e econômica do Brasil foi o incentivo ao ensino profissionalizante, novidade que Dom Bosco lançara alguns anos antes em Turim, no Norte da Itália, e que a Princesa desejou logo pôr em prática no Brasil.

Voltaremos ao assunto na próxima semana.

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