MÚSICA

Empem, 70 anos: patrimônio artístico de Piracicaba tem futuro incerto em meio à crise

A musicista Cidinha Mahle recebeu o JP em sua casa, na sexta-feira (11). Falou sobre a situação incerta da Empem, com pesar

Por Nani Camargo | 13/08/2023 | Tempo de leitura: 6 min
nani.camargo@gmail.com

Claudinho Coradini/JP

Empem foi furtada no início do ano e teve fiação danificada; algumas salas estão escuras
Empem foi furtada no início do ano e teve fiação danificada; algumas salas estão escuras

Há um ano era protocolada a terceira versão do Plano de Recuperação Judicial da Rede Metodista de Educação e este documento integrava a lista de imóveis que poderiam ser usados para venda e quitação dos débitos da instituição. E lá estava o prédio da Empem - a Escola de Música de Piracicaba “Maestro Ernst Mahle”, que foi incorporada ao IEP (Educacional Piracicabano da Igreja Metodista) em 1998. A escola existe há 70 anos: foi fundada em 9 de março de 1953.

A notícia da possível venda, divulgada pelo JP à época, caiu como uma bomba no meio artístico e cultural de Piracicaba. Até hoje, o processo segue em trâmite e ações paralelas, sem muito efeito prático, tentam impedir tal venda. Uma delas, iniciada em setembro do ano passado, é o pedido de abertura de processo de tombamento da escola ao Codepac (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Piracicaba). O presidente do conselho, Esio Antônio Pezzato, informou que esta discussão deve acontecer entre setembro e outubro.

Em meio a tanta insegurança e falta de informação sobre o futuro, a escola segue trabalhando. Mas com orçamento apertado, problemas estruturais e também sem a manutenção necessária dos instrumentos. O JP falou com professores, que confirmaram essa situação. “Sobre o salário, estamos ganhando menos. Antes era 50% para cada parte (escola e docentes). Agora é 60 a 40. As manutenções do prédio estão bem ruins. É uma facada diária para nós, mas a resistência entra em campo. E os instrumentos estão sem manutenção”, disse um deles, que pediu anonimato.

No início do ano, o prédio teve sua fiação furtada. Até o para-raios foi levado. Muitos cabos não foram reconectados até agora devido à falta de verbas, relatou um professor. E algumas salas estão escuras. O JP foi até o local e flagrou a situação. A sala de concerto estava escura, devido aos problemas com cabos de iluminação. E está sem laudo do Corpo de Bombeiros, conforme confirmado por Cidinha Mahle, fundadora da escola junto com marido Ernst Mahle.

Coordenadora pedagógica da Empem, Monica Santana tem uma visão mais otimista. Citou que os cursos seguem em andamento e que acredita que a situação vai melhorar. "Com tudo que saiu em relação a venda da Empem, muitas pessoas acreditaram que a escola tinha fechado as portas. Houve uma redução no número de alunos por conta disso, alguns pais acharam que a Empem ia fechar e não renovaram as matriculas de seus filhos para esse ano. Mas a escola continua viva e pulsante, aos poucos os alunos estão voltando e novos alunos chegando também. A Empem já passou por crise piores e resistiu, uma delas foi a pandemia. Mas a cada crise, é um aprendizado e se faz necessário refletir e se reinventar. É isso que está acontecendo hoje. Quanto ao futuro da escola, não sabemos, mas o "hoje" ela continua aqui, no mesmo local, oferecendo cursos de qualidade, professores qualificados e experientes, prontos para atender alunos de todas as idades, ávidos em aprender música", defende.

Sobre os instrumentos, Monica diz que alguns “são preciosidades”. Temos 5 pianos de cauda, 11 pianos de armário, 1 piano digital, 2 cravos, 1 harpa sinfônica, 1 órgão de tubos e vários violinos, violas, violoncelos. Temos instrumentos de todas as famílias. Fazemos a manutenção básica dos instrumentos que estão em uso. Para fazer a manutenção de todos os instrumentos da escola é muito dispendioso, por enquanto não a escola não possui orçamento para tal”.

Sobre o processo judicial relacionado às dívidas da Metodista, que pode resultar na venda do prédio da Empem, o JP pediu informações à diretoria da Escola de Música e não houve respostas.

ATUALMENTE - Segundo Mônica, a Empem tem hoje 111 alunos e 20 docentes. São oferecidas aulas individuais, em dupla e coletivas. Para as individuais, nos seguintes instrumentos: Teclas (piano, teclado e órgão); Cordas dedilhadas (violão, cavaquinho e bandolim); Cordas (violino, viola clássica, violoncelo, contrabaixo); Sopro metais (trompete, trombone, tuba, bombardino/euphonio); Sopro madeiras (Clarinete, flauta doce, flauta transversal e saxofone); Percussão (bateria); Voz (canto e técnica vocal em grupo); Iniciação Musical (individual e em grupo); Musicalização Infantil (individual e em grupo) e Teoria musical (individual e em grupo).

REFERÊNCIA - Monica fala do legado da Empem. “Com certeza a Empem é referência por ter um espaço maravilhoso como esse, bem localizado, com estrutura física e com esse número de instrumentos que tem. Mas o mais importante não são os instrumentos em si e sim a qualidade de ensino aplicada nesses 70 anos, que deu condições para que muitos jovens aprendessem música com qualidade e se tornassem profissionais na área. Graças ao empenho, dedicação e suporte do casal Mahle que não mediram esforços para fazer de Piracicaba uma referência nacional e internacional na música e ter dado oportunidade para tantas pessoas”, finaliza.

CIDINHA MAHLE - A musicista Cidinha Mahle recebeu o JP em sua casa, na sexta-feira (11). Falou sobre a situação incerta da Empem, com pesar. Ela e o marido deram vida à escola. “A construção da escola é muito sólida e muito boa, foi feita pelo arquiteto Walter Naime. Mas roubaram a fiação do telhado, e roubaram até os para-raios, não dá para continuar assim”, numa referência à falta de verba para fazer toda a manutenção necessária no prédio.

“As salas não podem ser usadas pois estão sem a vistoria dos bombeiros. Temos dois pianos de cauda preciosos lá. Se não dá para usar o piano nem de dia e nem de noite, devido à falta da fiação, é muito perigoso para efeito do trabalho da escola, para efeito da conservação dos instrumentos.

Ela diz que “tem muita gente lá, entre professores e colaboradores, fazendo força para continuar, que entendem o valor da escola”. Mas não vê muitas expectativas. “Não enxergamos com otimismo (o futuro da Empem). Na verdade, seria muito melhor se fosse comprada por alguém que quisesse continuar com a escola. Temos vários alunos que não podem comprar, mas poderiam ser diretores artísticos, e acharíamos alguém para ser diretor administrativo”.

A ESCOLA DE MÚSICA - Criada em 1953, desde seu surgimento a Escola de Música de Piracicaba se tornou centro formador na área musical, tendo como seu primeiro incentivador o compositor Hans Joachim Koellreutter, que fundara em São Paulo a escola Pró-Arte. A iniciativa de ter também no interior, especificamente em Piracicaba, uma alternativa de ensino da música se viabilizou pela decisão e esforços de Maria Apparecida e Ernst Mahle, que haviam sido alunos de Koellreuttter. Ao casal, se aliaram muitas outras figuras já ligadas a um movimento cultural forte existente em Piracicaba à metade do século passado.

Ao longo dos anos formaram-se outras orquestras, coros, conjuntos musicais que passaram a oferecer concertos periódicos nas instalações da Escola, conhecida também pela variedade e riqueza de instrumentos que foi acumulando ao longo dos anos, alguns deles raramente disponíveis no interior.

O espaço foi se tornando referência para o país, sediando concursos nacionais como o de jovens instrumentistas, com bancas julgadoras que reuniam músicos do Brasil e do exterior. Os concertos aos finais de semana faziam uma agenda contínua de cultura para a cidade, trazendo inclusive músicos estrangeiros para ali se apresentar.

Ao longo dos anos, muitos talentos de origem da cidade foram beneficiados por bolsas de estudos. Centenas de alunos foram ali formados profissionalmente, espalhando-se depois em orquestras de reconhecida importância para o país e no exterior.

Em 1998, o casal Mahle, buscando garantir a continuidade de seu trabalho, e considerando os compromissos que a Unimep detinha à época com projetos culturais e investimentos efetivos nesta área, transferiu a Escola de Música para o Instituto Educacional Piracicabano, mantenedor da Universidade.

Abaixo, veja fotos da Empem:

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