
Júlia Del Bianco é uma bailarina gorda. Calma! Não estranhem ou julguem esta escrita. Ela mesma pediu à reportagem do JP para não trocar o termo por obesa. Afinal, não há nada de errado em não seguir os padrões que, um dia, alguém disse que eram os corretos, não é mesmo?.
"Sou saudável. Para mim, gorda é uma característica física, assim como magra, alta ou baixa. O problema é que nós associamos a palavra gorda a várias coisas negativas e ruins. E isso é que tem que mudar. A palavra em sí não tem nada de errado", explica ela, que é de Limeira, na Região Metropolitana de Piracicaba, tem 35 anos e é pura inspiração.
Com 106 mil seguidores no Instagram e 38,2 mil no Tik Tok, Ju Delbi, como é chamada, é formada em Dança pela Unicamp, bailarina profissional, professora de dança (ballet, jazz e contemporâneo). Criou o "Dance For Plus" em 2018 para atender ao público que não se sentia acolhido nas aulas de ballet e que hoje atua com workshops. Também é modelo e influenciadora digital, sendo referência na área da Dança na luta antigordofobia.
Ela falou com o JP e é exemplo de mulher forte que não tem medo de quebrar tabus.
Fale sobre seu passado e como era sua relação com o seu peso. Havia conflito?
Sempre foi um conflito muito grande. A primeira vez que eu me senti gorda foi na fila da coxia da minha primeira apresentação de ballet, onde minhas colegas faziam comentários sobre o corpo uma das outras. Eu não era uma criança e adolescente gorda, eu engordei depois de adulta, mas eu tinha mais curvas do que era aceitável para uma bailarina e isso acabou fazendo com que eu entrasse em um ciclo de dietas e restrições das mais conscientes às mais malucas. Eu vivi assim por muito tempo, sempre persistindo na dança e no ballet para o dia que eu emagrecesse eu ser uma excelente bailarina. Conquistei muitas coisas, mas sempre deixava minha vida em standby para o dia que eu atingisse o tal corpo perfeito. Chegando perto dos 30 anos eu percebi que não era só minha culpa e que o padrão era algo que poucas pessoas poderiam alcançar, isso quando ele não se modifica. Foi então que eu fui entender todos os processos, entender que fazer coisas extremas nunca tem resultados a longo prazo, entender o que era pressão estética e gordofobia e, a partir daí, eu comecei a me aceitar com o corpo que eu tinha e buscar uma rotina de exercícios e alimentação que fosse possível e que fosse saudável independente do tamanho do meu corpo. Hoje eu vivo bem com o meu corpo e sei que a autoestima é uma coisa a ser trabalhada todos os dias e não tem um ponto de chegada.
Conte episódios de preconceito que viveu
O preconceito com as pessoas gordas, ou a gordofobia, está muitas vezes de uma maneira estrutural. As pessoas não param para pensar sobre o que estão fazendo e apenas reproduzem o que receberam. Já tive episódios dos mais velados, onde as pessoas falavam de outras pessoas, mas ficava claro que aquilo servia para mim também e tive casos diretos. Já usaram a desculpa da roupa que não era apropriada eu usar, nem o modelo nem as cores, tive a roupa puxada com uma repreensão na frente da sala toda, fui excluída de muitos lugares, cursos e coreografias, além de pregarem que todo corpo era válido e podia dançar, mas eu era chamada de lado nos corredores para falar que eu precisava emagrecer. Além dos pequenos episódios diários, como piadas com pessoas com o corpo como o meu, também dificuldades em encontrar as roupas no meu tamanho, do estilo que eu queria; encontrar roupas de aula de ballet (que ainda é difícil), ser considerada doente sem ao menos a pessoa saber se eu sou mesmo, entre outras.
O que o Ballet trouxe de bom para sua vida?
O Ballet trouxe muita coisa boa como disciplina, perseverança, saber que nada se constrói sem esforço, ter um espaço para eu me expressar artisticamente, mas também coisas ruins como todos os padrões de corpo exagerados que ele impõe para uma bailarina. Recentemente, eu tenho alcançado visibilidade e ocupado espaços que eu nunca pensei ser possível para alguém com um corpo como o meu, ainda mais na dança, então tenho muito o que agradecer.
Há problema para você quando falam “bailarina gorda”?
Não, para mim gorda é uma característica física, assim como magra, alta ou baixa. O problema de usarmos a palavra gorda é que nós associamos a palavra gorda a várias coisas negativas e ruins. Então devido a gordofobia e ao estigma de que as pessoas associam a palavra gorda como sendo uma também uma pessoa feia, sedentária, invejosa, doente, preguiçosa, entre outras. O que nem sempre é a realidade.
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