
Os traços coloridos da história em quadrinhos revelam o drama que o jovem soldado Eliseu de Oliveira, de São José dos Campos, sofreu nas mãos dos nazistas. Até sola de sapato ele comeu para não morrer de fome num campo de concentração.
Conhecida por poucos, a história ganha destaque no trabalho do estreante quadrinista paulistano Renato Dalmaso, 31 anos, autor da HQ "Elísio: Uma jornada ao inferno" (Avec, 96 páginas), lançada no final de 2019.
Filho de lavradores, o joseense Eliseu trabalhava no bar da família quando ouviu as notícias da guerra. Ele já passara pelo Exército e foi convocado. Não queria ir, e fugiu três vezes de Caçapava, onde treinavam os militares que iam para a guerra, muitos deles do Vale do Paraíba.
Em plena Segunda Guerra Mundial, aos 22 anos, Eliseu foi capturado com outros brasileiros na Itália, em San Quirico, onde também viu um amigo ser metralhado.
Ele combatia pela FEB (Força Expedicionária Brasileira), unidade que levou 25 mil brasileiros para guerrear contra o exército de Adolf Hitler.
Em pleno fogo cruzado com alemães, num casarão, Eliseu e um amigo juram pela Bíblia que voltariam após buscar reforços. O próprio capitão lhes diz para não voltar. Eliseu faz o que prometera, e é preso.
"Ele correu risco de ser fuzilado. Os brasileiros tinham uma situação ambígua. Eram contra os fascistas, mas no Brasil o governo de Getúlio Vargas tinha certa simpatia pelo Nazismo", conta o historiador Douglas Almeida, 32 anos, de São José.
Ele é autor da monografia sobre Eliseu, para o curso de História na Univap (Universidade do Vale do Paraíba), que inspirou a HQ de Dalmaso, a qual também assina o posfácio. Por sua vez, Almeida se inspirou no livro 'Um pracinha paulista no inferno de Hitler', de 1947, do jornalista Altino Bondesan (1916-2001).
Segundo o historiador, Bondesan conversou pessoalmente com os pracinhas após o retorno da Itália, ainda em 1945, para uma saga jornalística. A dramática história de Eliseu destacou-se e virou tema central do livro, hoje raridade.
PRISÃO.
Preso, o inferno de Eliseu começou num campo de concentração em Mantua, na Itália, com um frio de -18ºC. A precária comida consistia de sopa com pedaços podres de cavalo, pedras e galhos de árvore.
Dalmaso conta que foi justamente o fato de Eliseu ter combatido na Itália e ter sido preso que o seduziu, em 2012.
"Fiquei encantado. Além de batalha tem a parte de prisioneiro. Um foco diferente."
A história de Dalmaso tem paralelos com a de Eliseu.
O quadrinista vem de família humilde, de pai cortador de cana. Virou gerente de loja para sobrevier e só desenhava por passatempo.
Ele escreveu o roteiro no horário de almoço e só foi desengavetá-lo em 2018, após largar o emprego. Ajudou o financiamento de um edital do governo estadual. "É uma luta, uma jornada ao inferno que também foi a minha".
Dalmaso levou cerca de um ano para terminar a HQ, pintando em aquarela. Enviou a várias editoras e a gaúcha Avec topou lançar a obra, que vai concorrer a vários prêmios nacionais em 2020.
A história de Eliseu, segundo ele, também serve de reparação ao pouco que se divulga da campanha da FEB, difamada no retorno ao Brasil. "Eles foram lutar contra o Nazismo, por democracia, e diziam que foram passear", diz o autor.
Mas nada se compara ao sofrimento de Eliseu na Alemanha, para onde foi levado de trem. Superlotado, o vagão abrigava prisioneiros de várias nacionalidades, que faziam ali suas necessidades.
"O ambiente ficou infestado. Uma das piores situações para o Eliseu", conta Almeida.
Na Alemanha, Eliseu ficou preso em Stalag 7A, em Moosburg, perto de Munique, o maior campo de prisioneiros de guerra da Alemanha. Fez trabalhos forçados: limpou neve e carregou mantimentos.
"Quando começaram os bombardeios, a cidade ficou arrasada. A Alemanha estava sendo derrotada. Os aliados invadiram perto de abril de 1945, e eles foram libertados", diz Almeida. "Eliseu ficou vários dias num hospital para se recuperar da desnutrição".
De volta ao Brasil, após sobreviver ao inferno, Eliseu tornou-se funcionário público e morreu em 2012, em Santos. A história dele agora é eternizada pela HQ de Dalmaso.
'A gente se acostuma até com o barulho das granadas', conta ex-combatente da região
Com um frio de até 20 graus negativos, o jovem soldado Jarbas Dias Ferreira encarava a batalha que marcou a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, a de Monte Castelo, que completou 75 anos nesta sexta-feira e teve papel de destaque para os militares do Vale. Travada a 61 km de Bolonha, por três meses --24 de novembro de 1944 a 21 de fevereiro de 1945--, a batalha foi crucial para conter o avanço das forças do Exército Alemão no norte da Itália. "Primeiros dias eram tristes, mas depois acostuma até com o barulho das granadas". Aos 98 anos, ele ainda toca a sua bicicletaria em São José. Segundo ele, 95 homens da cidade foram para a Itália e cinco morreram. "Éramos todos filhos de pobres". O forte armamento alemão tornou a batalha um desafio aos 25 mil brasileiros. "Estava na linha de frente. Pegamos a tropa alemã. Ali terminou a guerra. Prendemos 18 mil alemães". E garante: "Sou homem realizado. Se tiver que voltar, faria a mesma coisa".
HQ retrata o soldado Eliseu de Oliveira de São José dos Campos na Segunda Guerra Mundial
HQ retrata o soldado Eliseu de Oliveira de São José dos Campos na Segunda Guerra Mundial
Nosso herói. Aos 98 anos, Jarbas Ferreira segue com a bicicletaria
HQ retrata o soldado Eliseu de Oliveira de São José dos Campos na Segunda Guerra Mundial
HQ retrata o soldado Eliseu de Oliveira de São José dos Campos na Segunda Guerra Mundial
HQ retrata o soldado Eliseu de Oliveira de São José dos Campos na Segunda Guerra Mundial
HQ retrata o soldado Eliseu de Oliveira de São José dos Campos na Segunda Guerra Mundial
HQ retrata o soldado Eliseu de Oliveira de São José dos Campos na Segunda Guerra Mundial