PAPA NO VALE

Seminarista quebrou protocolo e deu lenço ao papa em Aparecida

Por Xandu Alves | Aparecida
| Tempo de leitura: 5 min
Reprodução
Papa Francisco coloca o lenço presenteado por Luiz Miguel (à esq., de óculos)
Papa Francisco coloca o lenço presenteado por Luiz Miguel (à esq., de óculos)

O clima era de tensão pela programação apertada do papa Francisco em Aparecida, no Vale do Paraíba. Tudo definido com antecedência pelo cerimonial do Vaticano, que estava no Brasil um mês antes da visita do pontífice, em julho de 2013.

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Em Aparecida, a equipe do Vaticano chegou uma semana antes da visita e repassou o roteiro de Francisco na cidade. Não havia espaço para improvisos. Porém, um seminarista quebrou o protocolo e conseguiu entregar um presente para Francisco, que fez questão de tirar uma foto com a recordação. O episódio marcou a vida do jovem para sempre.

“O estilo dele era de quebrar protocolo e de ser descontraído”, lembra Luiz Fernando Miguel, 33 anos, professor, teólogo e jornalista de Guaratinguetá.

Microfone na boca.

A história do então seminarista Luiz Miguel com o papa Francisco começa com a chegada do pontífice ao Santuário Nacional de Aparecida, na manhã de 24 de julho de 2013. Luiz pertencia ao Seminário Bom Jesus, da Arquidiocese de Aparecida, e estava em um grupo de cerca de 10 seminaristas que trabalhariam na missa com o papa.

Coube a ele uma tarefa ingrata: segurar o microfone do papa durante a missa, pelas duas horas da celebração, prática normal no Vaticano, mas incomum no Santuário Nacional. “Tinha receio de bater o microfone na boca dele. Fiquei bastante nervoso e fiquei a missa toda olhando para ele. Não lembro quase nada da mensagem”.

Os seminaristas também tiveram contato com Francisco na sacristia da Basílica, antes e depois da celebração. O papa era sempre descontraído com o grupo, mas Luiz conta que a segurança era severa. “Tínhamos três crachás diferentes para ter acesso (Basílica, sacristia e seminário), tudo acompanhado pela Polícia Federal. Éramos revistados”.

Lenço da jornada.

Após a missa, Luiz e um amigo conseguiram carona numa van do Vaticano e chegaram antes do papa ao Seminário Bom Jesus, onde Francisco iria almoçar e descansar antes de voltar ao Rio de Janeiro.

Os seminaristas ficaram em fila para beijar a mão do papa. Luiz resolveu fazer diferente. Contra o protocolo de segurança, que não permitia que se entregasse nada ao papa, ele arriscou e tirou do bolso um lenço com a assinatura de todos os jovens que iriam com ele, dia depois, à Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro.

“O segurança não quis deixar entregar, mas o papa deixou e ainda colocou o lenço no pescoço. Fizemos a foto e publicamos nas redes sociais. Depois eu soube que, naquele mesmo dia, a imagem já estava sendo vendida no comércio da cidade”.

O papa também ganhou presentes do então arcebispo de Aparecida, cardeal dom Raymundo Damasceno Assis, e abençoou uma estátua de Frei Galvão, que depois foi levada para o santuário dedicado ao santo, em Guaratinguetá. “Compramos milhares de terços para ele abençoar”, diz Luiz.

Ele recorda que a ideia inicial era de que não haveria seminaristas no local para a chegada do papa, em razão da privacidade. Mas Francisco fez questão de interagir com os postulantes a padre da região.

“Em todas as oportunidades eu procurava ficar perto dele. O papa fez questão de almoçar com os seminaristas. No almoço, tinha a comitiva do Vaticano, os seminaristas, um padre que morava no prédio e nossos formadores.”

Luiz conta que o papa terminou o almoço e pediu para conhecer a equipe da cozinha. “Ele cumprimentou e conversou com cada um deles. Tirou foto. O estilo dele era de quebrar protocolo e de ser descontraído”.

Francisco também declinou da ideia de tirar uma “sesta” no seminário no quarto que estava preparado para ele, que já havia sido ocupado por outros dois papas: João Paulo 2º e Bento 16. Após a passagem de Francisco, o cômodo virou um museu.

“Depois do almoço, ele subiu para o quarto e a ideia era descansar, no mesmo local de Bento 16 e João Paulo 2º. Mas ele desceu depois de um tempo e passou pelos seminaristas no corredor, cumprimentando e falando com cada um.”

Além das fotos desse dia memorável, Luiz conta que o contato com o papa Francisco o marcou profundamente. “Sentia como se estivesse perto de um avô, ele não deixava as pessoas tensas. Era diferente a energia dele, o estilo latino, recordo com muito carinho”.

Vida leiga.

Luiz desistiu de ser padre em dezembro de 2013 e diz que uma frase dita pelo papa Francisco a ele, no seminário, teve sua parcela de participação na tomada de decisão. Ele estava há sete anos e meio e na penúltima etapa antes do sacerdócio.

“'Se for para ser, que seja um bom padre', disse o papa para mim na despedida. Eu já não estava muito convicto [de ser padre] e acabou sendo o último ano de seminário, em 2013. No final do ano eu saí”.

Luiz se casou em 2017 e hoje tem dois filhos. No casamento, por intermédio de um amigo no Vaticano, ele recebeu uma bênção apostólica do papa, transformada em um quadro em sua casa. “Depois recebei uma carta do papa. Também mandei uma foto minha com ele e da minha família. Ele marcou a minha vida”.

Para o professor, a morte do papa Francisco nesta segunda-feira (21), um dia depois do domingo de Páscoa, ilumina a mensagem dele durante seu pontificado.

“Tem a ver com a passagem dele após a Páscoa. Deixa a mensagem da esperança, de tudo o que ele pregou. Mensagem mais clara dele foi essa passagem nesse momento. Deixa uma clara mensagem para o mundo de que precisamos retomar a esperança e a paz. Combina com ele”, diz o ex-seminarista.

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