SAÚDE

Especialistas: decisões pró-polilaminina podem atrasar pesquisas

Por Luis Eduardo de Sousa e Jairo Marques | da Folhapress
| Tempo de leitura: 3 min
Arquivo pessoal
Médicos realizam aplicação da polilaminina em um hospital filantrópico de Cachoeiro do Itapemirim (ES); paciente de 37 anos passa bem
Médicos realizam aplicação da polilaminina em um hospital filantrópico de Cachoeiro do Itapemirim (ES); paciente de 37 anos passa bem

As decisões judiciais que obrigam a aplicação de polilaminina em quatro pacientes com lesão medular podem atrapalhar o andamento da pesquisa com a substância e até mesmo descredibilizá-la, segundo especialistas ouvidos pela Folha.

Eles destacam que os estudos ainda são muito precoces e não oferecem informações precisas sobre riscos da substância.

A polilaminina tem origem na placenta humana e se mostrou capaz, em testes iniciais, de restabelecer a medula espinhal em pessoas que tiveram lesões medulares e recuperar os movimentos do corpo em casos de paraplegia ou tetraplegia. Em quatro decisões recentes, duas do Rio de Janeiro, uma da Bahia e outra do Espírito Santo, a Justiça mandou o laboratório Cristália -mantenedor da pesquisa científica da polilaminina- a fornecer a substância aos pacientes.

A primeira dessas aplicações ocorreu no último sábado (13). Um homem de 37 anos que teve uma lesão medular tida pelos médicos como extremamente grave recebeu uma dose da substância na coluna. Ele se acidentou durante um evento de motocross, no interior do Espírito Santo, no dia 7 de dezembro.

Henderson Fürst, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética e professor do Einsten Hospital Israelita, afirma que as decisões retardam novos resultados da pesquisa, que podem ser promissores. "Estamos atrasando a possibilidade de a sociedade conhecer qual é o benefício disso."

Fürst classifica como equivocadas as decisões judiciais que, em sua avaliação, podem atrapalhar os pesquisadores. "A Justiça não pode chamar de tratamento o que ainda é pesquisa. Esses estudos são rigidamente controlados e, ao sair aplicando indiscriminadamente, os pesquisadores perdem o controle de quem está tomando, precisam deixar o trabalho em segundo plano para acompanhar as novas aplicações", explica.

O especialista cita dois exemplos na história do Brasil de substâncias que, aplicadas sem o rigor necessário, resultaram em problemas de saúde pública. A talidomida, usada como antiviral, causou uma série de malformações congênitas nas décadas de 1950 e 1960. A substância foi retirada às pressas das farmácias. Hoje, é usada com cautela para tratar hanseníase.

O outro caso é o da fosfoetanolamina, a "pílula do câncer", exaltada a partir de 2016 como a solução para a doença. À época, a fama repentina gerou uma série de decisões judiciais, sem resultados concisos de eficácia -que nunca chegou a ser comprovada.

Jorge Venâncio, ex-coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa avalia que as decisões judiciais não têm respaldo técnico. "É uma coisa bem temerária liberar substâncias cujo risco ainda não foi dimensionado. A Justiça deveria ter consultado especialistas e a própria Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para saber o que a agência espera da pesquisa", afirma.

Venâncio avalia que um avanço de judicialização acerca da polilaminina pode oferecer um risco à saúde pública, e diz que "é necessário concluir os estudos antes de sair distribuindo uma substância".

O médico fisiatra Daniel Rubio, do Instituto de Medicina Física e Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade Medicina da USP (Universidade de São Paulo), afirma que há pesquisas espalhadas pelo mundo todo tentando encontrar um tratamento adequado para a regeneração da lesão medular, mas que é necessário analisar múltiplos fatores nos estudos.

"Existem alguns fenômenos que acontecem durante a fase aguda [da lesão medular]. A fratura pode atacar a medula diretamente, um edema pode afetar a medula, a falta de oxigenação secundária. As causas são multifatoriais e não dá para ter um tratamento milagroso que haja de um jeito só."

Segundo o especialista, "de mais de 800 linhas de pesquisas, todas levaram em consideração mais de um fator".

Rubio afirma que mesmo que os resultados da polilaminina sejam surpreendentes, é preciso ter desconfiança sobre a pesquisa.

"Quando existe lesão da medula aguda, há um período chamado de choque medular, em que o sistema nervoso para de funcionar reflexamente. É como se ele ficasse adormecido em razão do ataque que sofreu. Só se consegue determinar se a lesão foi mais grave ou menos grave a partir do momento em que ele sai dessa fase. Os pacientes que receberam a polilaminina fizeram isso em até cinco dias", afirma.

Porém, o médico acredita que a substância deverá ser combinada a outros produtos para a regeneração medular.

Comentários

Comentários