GAZETILHA

O conforto no caos

Por Corrêa Neves Jr. | Editor do GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 5 min
Reprodução/IA

“O verdadeiro campo de batalha é o coração do homem”

Albert Camus, filósofo e escritor argelino

Andar pelos salões do Palácio de Versalhes, símbolo máximo do luxo, da opulência e do império francês em seu auge, é como caminhar dentro de uma biografia feita de muitas batalhas - e de doses ainda maiores de vaidades. No silêncio espesso das galerias (quando você dá sorte de caminhar sem uma horda de turistas ao seu redor), entre tapeçarias e douramentos, o tempo se organiza em torno da glória da França.

Lá estão, lado a lado, os quadros que transformaram guerras em epopeias: Austerlitz, Wagram, Jena, Friedland. Batalhas sangrentas convertidas em coreografias heroicas, pinceladas que escondem o frio, o medo, a carne rasgada por espadas e pólvora.

As lanças apontam para o alto, os cavalos relincham em gesto de triunfo, e Napoleão, sempre ele, surge calmo, altivo, no centro da tempestade, como se o caos fosse o seu elemento natural.

Mais adiante, os corredores levam você até a Sala da Coroação. Ali, o pintor Jacques-Louis David ergueu o mito em óleo e tela: Napoleão ignora o Papa, representante de Deus na Terra, e coroa a si mesmo, e depois Josefina, diante de uma corte ajoelhada. O pincel não registra um homem: registra a certeza absoluta de um destino, o que, curiosamente, o futuro revelaria muito distinto.

A cena tem a serenidade de um rito religioso, quase mítico, mas é, na verdade, um golpe de Estado pintado em câmera lenta. Na moldura, o poder se disfarça de legitimidade. O que era apenas um general se converte em Deus de si mesmo. A cada passo, a galeria repete o mesmo mantra: vencer é existir. A derrota, quando aconteceu, não entrou no quadro.

Há homens que só respiram quando o chão treme. Napoleão foi um deles. Donald Trump, o presidente americano, é outro.

Ambos habitam a mesma geografia mental: o campo de batalha. São seres que não sabem viver sem inimigos, porque é no conflito que encontram sentido, palco, aplausos, validação. Quando tudo parece estável, provocam o abalo. Se não houver um, inventam.

Quando o poder ameaça escapar, criam a guerra que os devolve ao centro. Não suportam o tédio da normalidade nem a rotina das instituições. Precisam da pólvora simbólica, da sensação de que o mundo depende de seus gestos. Em comum, têm a crença de que a ordem é frágil e que só o caos confirma sua grandeza.

Trump, como Napoleão, precisa de um cerco para sentir-se imperador. E quanto maior o incêndio, mais nítido ele se vê no espelho, ainda que seja incapaz de enxergar a realidade.

O problema é que, diferente das telas de Versalhes, onde a vitória é garantida pela tinta e pela versão romantizada da “história” que registra as glórias, o mundo real não oferece moldura para o desastre. E a história, quando volta, costuma cobrar juros de sangue.

Desde o início de seu atual mandato, que ainda nem completou um ano, Donald Trump parece governar a partir do front. O noticiário é uma sucessão de deflagrações: guerras comerciais, sanções, retaliações, provocações diplomáticas. Tarifaços contra o mundo, pouco importa se o alvo é aliado ou inimigo. Ameaças a outras potências, intervenções de tropas federais em Estados governados por democratas, a transformação calculada de imigrantes em um “exército invasor” a ser contido na fronteira ou expulso sob porrete se já estiverem instalados em busca do “sonho americano”. A lógica é simples: se não há conflito, é preciso criar um. Se faltam inimigos reais, invente um.

Como em todo bom enredo bélico, há também as vitórias pontuais – relâmpagos de glória em meio à fumaça. O cessar-fogo na Faixa de Gaza, por exemplo, foi vendido como feito pessoal do “pacifista” Trump. O poder do porrete, disfarçado de diplomacia, impôs uma súbita consciência tanto ao Hamas quanto a Israel.

Trump apressou-se com a ideia de um Nobel da Paz, como se o mundo tivesse que coroá-lo por cessar um incêndio que, em alguma medida, ele ajudou a manter aceso. Mas o pior é que nem três dias se passaram desde a assinatura do acordo e lá estava ele em nova batalha. Desta vez contra a China, alvo de tarifas de 100%, insultos públicos e ameaças veladas. Vencer não é o mais importante. Guerrear, sim. O conflito é sua respiração, o palco em que se sente vivo. Quando não há inimigo real, fabrica um - e chama de destino.

Há líderes que governam com ideias, outros com símbolos. Trump governa com choques. Ele entende o poder como espetáculo e a política como duelo. Não busca consenso, busca aplauso, mesmo que as palmas venham do estrondo. É a liturgia da desordem: cada conflito o reergue, cada adversário o reafirma. Para ele, a paz é um intervalo inconveniente entre duas batalhas. E o diálogo, um desperdício de palco.

O perigo é que, nesse tipo de liderança, o campo de guerra se expande até engolir o próprio mundo. As nações viram trincheiras, a imprensa, uma inimiga, e a verdade uma vítima. Enquanto o público se acostuma ao barulho, o poder real - o que decide vidas, muda mercados e redefine fronteiras - vai sendo exercido sem ruído, longe das câmeras, entre decretos e tweets.

A história já conhece o roteiro. Napoleão também acreditou que podia redesenhar o planeta a partir do próprio impulso, até descobrir que não há glória suficiente para sustentar um império construído sobre a exaustão dos outros. Trump segue a mesma trilha: quanto mais se isola, mais precisa da guerra para existir.

Versalhes, com seus espelhos e batalhas pintadas, é o retrato do que sobra quando o poder acredita ser eterno: salões vazios, ecos de marchas e vitórias que ninguém mais escuta. No fim, não há inimigos a derrotar - apenas o vazio que cada um carrega dentro de si. É ali, no coração do homem, que todas as guerras começam.

Corrêa Neves Jr é jornalista, diretor do portal GCN, da rádio Difusora de Franca e CEO da rede Sampi de Portais de Notícias. Este artigo é publicado simultaneamente em toda a rede Sampi, nos portais de Araçatuba (Folha da Região), Bauru (JCNet), Campinas (Sampi Campinas), Franca (GCN), Jundiaí (JJ), Piracicaba (JP) e Vale do Paraíba (OVALE).

Comentários

16 Comentários

  • Darsio 23/11/2025
    E por qual motivo não se observa interesse da mídia tradicional para a roubalheira do banco Master? Seria porque além do governador do DF, Libanês Rocha e, do RJ, Cláudio Castro e de Rogério Marinho e do Rueda, além de outros políticos do Centrão que, como sabemos é mais sujo que privada de rodoviária? Que possui o envolvimento de poderosos da Faria Lima, de pastores influentes e até gente ligada ao governo e as empresas que controlam a tv aberta e, pasmem, de juízes? Esse é momento para a PF se fazer independente e colocar na mesa os nomes desses verdadeiros bandidos que fazem desse país uma nação subdesenvolvida. Aliás, seria esse o motivo de Tarcísio de Freitas em aprovar junto ao seu capacho, o Derrite, projeto para enfraquecer a PF?
  • Darsio 23/11/2025
    Mas, e o imbrochável? Aquele que dizia que tinha saúde de atleta e que, quando presidente mais ficava curtindo férias se divertindo com jet-ski. Afinal, trabalho é uma palavra que nunca existiu em seu dicionário e no de seus filhos. Sempre mamaram nas tetas do Estado, pois até a filha e o irmão da Michele estão empregados e com salários maravilhosos, estando a primeira mamando nas tetas do estado de SC e, o segundo, nas do estado de SP. Agora que ele está preso pelos crimes cometidos, se faz um dodói, um coitadinho de um doente, um defensor dos direitos humanos. Mas, alguém que debochou e que deu gargalhada das milhares de vítimas da covid é humano? Alguém que idolatra torturador e que possui forte ligação com milicianos, pode ser chamado de humano? Oras! Se esse vagabundo e assassino não pode ficar preso porque está doentinho, que a lei possa valer para todos os demais detents. MAS, A VERDADE É QUE ESSE MALTIDO DEVE APODRECER NA CADEIA, POIS NEM O NÃO MENOS VAGABUNDO DO TRUMP DEU A MÍNIMA PARA A SUA PRISÃO.
  • Darsio 15/11/2025
    Trump, para se apossar das maiores reservas de petróleo do mundo, logo invadirá a Venezuela sob o falso discurso de combater a ditadura. Oras, a Arábia Saudita é uma ditadura que não respeita os direitos humanos, mas como é aliada dos EUA, finge-se que nada disso ocorre. No nosso país, os extremistas de direita que, adorariam massagear as genitálias do Trump, dizem combater o crime, mas para tanto propõem enfraquecer a Polícia Federal para que ela não possa investigar os milicianos amigos da família do Bolsonaro e do governador Claudio Castro, assim como os amigos do Tarcisão, na Faria Lima. Aqueles mesmos que, lavam dinheiro do tráfico e que adoram sonegar. Além do mais, os os verdadeiros chefões do crime estão infiltrados na polícia, na política, na justiça e nas igrejas.
  • Darsio 15/11/2025
    Os e-mails que estão sendo divulgados pela imprensa dos EUA sobre o caso Epstein, não deixam a menor dúvida de que o alaranjado Trump está até o pescoço envolvido com a exploração sexual de crianças. Isso mesmo! Crianças abusadas sexualmente pelo Trump. Esses são os tais direitistas conservadores defensores dos valores da família e de deus. Agora fica fácil porque os bolsonaristas querem criminalizar crianças estupradas por buscarem o aborto, tal como está na lei e, nada propõem para penalizar os estupradores. Isso porque muitos desses estupradores são homens de família e obedientes a deus. Afinal como disse Bolsonaro diante de adolescentes vulneráveis: pintou um clima.
  • Darsio 08/11/2025
    Ei Hélio! Já comprou os fogos de artifício para comemorar a prisão do seu mito na Papuda? A Papuda está chegando, hein!!!!
  • Helio P. Vissotto 23/10/2025
    Kkkkkkk,,,,,,,,Darsio, nessa vc se superou e bateu o recorde mundial da hipocrisia! Vc acusando outra pessoa em se esconder atrás de um codinome. \"Esse tal Ordans é mais um maluco que, de vergonha do que ele próprio escreve, se esconde em um codinome.\" VIRA GENTE POBREZA DE PESSOINHA !
  • José 15/10/2025
    O jornalista compara “ipsis litteris” Trump com Napoleão. Lá Grande Armée de Napoleão l, conseguiu estender seu domínio da Península Ibérica atéàPolônia, com os delírios de grandeza deste homem. Liderou, conforme mesmo escreveu o jornalista, milhares de homens à morte. Qual a guerra que Trump ‘criou”? Evidentemente podemos enumerar inúmeros erros do Trump, mas fatos são fatos.
  • Darsio 14/10/2025
    Faltou dizer sobre o envolvimento do Trump com a orgia sexual envolvendo menores de idade. Isso mesmo! O defensor dos bons costumes e da família, envolvido com pedofília. Como dizia o condenado e futuro morador da Papuda: pintou um clima.
  • Darsio 14/10/2025
    Esse acordo de paz na Palestina é mais um exemplo do teatro organizado por Trump. E, que teatro ridículo!!! Oras! Não existirá acordo de paz enquanto não houver a criação do Estado da Palestina ou ainda manter um povo confinado sem direito a nada. Não se aprova em hipótese alguma as ações do Hamas, como também devemos condenar o terrorismo de Estado praticado por Israel, sob as bênçãos de Trump contra o povo palestino. Além do mais, essa violência se manifestava muito antes, como por exemplo proibindo os palestinos de se que poder perfurar poços para obterem água. Esse Trump é mais um tirano, que mescla insanidade mental com o orgulho do poder. E, faz isso pois tem ao seu lado, lhes massageando as genitálias, um bando de malucos militantes da teoria da Terra plana, incluindo até mesmo o dudu bananinha. Aquele mesmo que é pago pelos nossos impostos para ficar fazendo turismo sem trabalhar um único dia e, que também adorar lamber as genitálias do laranjão.
  • Antonio Flavio do Nascimento 13/10/2025
    Admiro muito o jornalista e colunista Correa Neves mas neste artigo ele me decepcionou completamente. Comparar Trump com Napoleão Bonaparte foi de uma infelicidade absoluta. Napoleão com seu Bloqueio Continental procurou atacar os países que não aderiram as suas ordens. Entre eles a Rússia, a Espanha, Portugal, etc. Napoleão fez guerras . Já Trump, estrategista, nunca fez guerra, ao contrário, grande pacifista, prometeu lutar e intermediar a paz em países em guerras. E foi um grande vitorioso ao fechar um acordo de cessar fogo entre Israel e o grupo terrorista Hamas. Agora, minha única dúvida é até quando esse acordo vai existir, perdurar, pois as questões históricos e religiosas não foram desconstruidas , e a qualquer momento a guerra pode se iniciar.Se as hostilidades, se os reais motivos que levam a guerra esses países não forem trabalhados, corremos o risco de ver em algum momento os conflitos iniciarem. Mas até lá, meus respeito , minha admiração pelo republicano Trump, o \"Senhor da Paz\" que tem feito de seu governo uma luta pela construção da paz duradoura entre os países. Ainda falta selar o acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia. Mas tenho certeza que conseguirá também como bom estrategista que é, sem disparar um único tiro, sem fazer guerra bélica. O mundo agora está compreendendo que um Prêmio Nobel para ele seria muito pouco. Parabéns Donald Trump. \"O Senhor da Paz!
  • Darsio 13/10/2025
    Esse tal Ordans é mais um maluco que, de vergonha do que ele próprio escreve, se esconde em um codinome. Certamente é mais um trouxa que, nunca deve ter lido se quer um único livro na vida e, se acha um intelectual, a ponto de demonstrar um bom entendimento sobre o que é comunismo nos seus preceitos básicos e, nos dizeres de seus principais pensadores. Não sei se ele é maluco ou mesmo destituído de neurônios, isto é, burro no mais claro sentido da palavra.
  • JORGE LUIS MATINS 13/10/2025
    A sensação de estar vivendo uma das maiores hipocrisias em que o senhor da guerra se veste de cordeiro da Paz, me causa espécie. O artigo escrito dá um pouco do necessário carma para atravessar esse momento. Enfim, EUA, sendo EUA. O pão e o circo.
  • jaques campos 13/10/2025
    Muito feliz a comparação. Ainda que os tempos são outros, as tecnologias avançaram, a politica mudou, as guerras ainda continuam e mais letais, mas o maior conflito permanece na mania de grandeza do ser humano. Ainda que o debacle seja previsivel e certo colocando no devido lugar esses alucinados.
  • adauto casanova 13/10/2025
    Por mais que não gostemos de Trump, de se reconhecer estar ele à frente desse cessar fogo em Gaza e devolução de pessoas feitas reféns há dois anos pelo grupo terrorista Hamas.
  • José Valdir Ribeiro 12/10/2025
    Eu discordo deste texto, Napoleão Bonaparte chegou na França como um garoto acanhado e como a França estava destruida pela revolução francesa, ele se revelou como um grande líder e estrategista militar que colocou ordem na casa, o problema é que o poder lhe subiu demais na cabeça e deu vazão ao seu ímpeto de conquista. Já o Donald Trump anunciou previamente na campanha tudo o que ele está fazendo agora, ele foi eleito justamente pelo projeto de governo que ele anunciou
  • Ordans 12/10/2025
    Hoje dia da nossa padroeira Nossa Senhora,que ela nos livre do terror do socialismo comunista que se instaurou em nosso país,saqueando e roubando nossa Nação trazendo pobreza e miséria neste país.