OPINIÃO

Duros sem perder a ternura

Por Roberto Magalhães |
| Tempo de leitura: 2 min

Todo macho esconde o seu lado mulher. E se esconde é porque o tem. E se não o tivesse, humano não seria. Besteira esse negócio de separar o que é do homem e o que seria da mulher. Não passa de um remendo machista para esconder o óbvio ululante: homens e mulheres são uma coisa só: seres humanos. Claro, diferenças biológicas e anatômicas têm que existir. Afinal, como a gente geraria filhos sem o devido encaixe dos conectores? Contudo, não dá mais para ficar ouvindo essa asnice de que a sensibilidade, a emoção e as lágrimas vestem saia. São coisas de mulher. Enquanto a agressividade, a coragem e a combatividade vestem paletó e gravata. São coisas de homem.

Já passou da hora de enxergar que a roupa não faz o corpo, tampouco o corpo faz a identidade de gênero. Olha só o que disse o revolucionário cubano Che Guevara, macho afeito às lutas de matar ou morrer: “Hay que endurecerse sin perder jamás la ternura.” Que tem que ser duro, não se discute, mas duro sem ternura não dá, é incompleto. Olha só o que fez outro macho que ninguém bota defeito, o sertanejo nordestino, Virgulino Ferreira da Silva, o nosso Lampião. Simplesmente peitou a resistência de alguns cangaceiros e introduziu mulheres no bando, a começar pela sua Maria Bonita. As “cangaceiras” eram cabras da peste, enfrentavam os “macacos”, soldados da polícia volante, com “peixeira”, espingarda e o terrível parabelo de cuspir fogo. Olha só o que disse a poesia. Aliás, para os machões, poesia é coisa de mulher ou de “frescos” que perderam o rumo do caminho. Mal sabem eles que é arma culturalmente poderosa.

Lembremos de Shakespeare, Dante, Homero, Camões, Guimarães Rosa... Lembremo-nos de Gilberto Gil, essa genial sensibilidade masculina, também feminina, que disse essa lindeza maior: “Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria (...) Que nada, minha porção mulher, que até então se resguardara, é a porção que trago em mim agora e que me faz viver. Quem dera pudesse todo homem compreender, oh, mãe, quem dera, ser o verão o apogeu da primavera e só por ela ser.” Gil escreveu esses incríveis versos numa canção chamada Super-homem. Um convite à reflexão: o homem para ser super-homem tem que ter a sensibilidade que, equivocadamente, dizem ser da mulher. E a mulher para ser supermulher tem que ter a dureza que, equivocadamente, dizem ser do homem. Sejamos uma coisa só, o resto é rótulo. Sejamos humanos. Duros sem perder a ternura.

O autor é professor de redação e autor de obras didáticas e ficcionais.

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