GAZETILHA

Ninguém nega os fatos

Por Corrêa Neves Jr. | Editor do GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 7 min
Reprodução

"Quando os tiranos conspiram, o que está em jogo 
não é apenas um trono, mas a própria liberdade"
Thomas Paine, escritor e filósofo anglo-americano


A Polícia Federal encaminhou ao STF (Supremo Tribunal Federal), no último dia 21 de novembro, o inquérito que apurou a tentativa de um golpe de Estado no Brasil entre o final de 2022 e o início de 2023. O documento, um calhamaço com mais de 800 páginas, concluiu pelo indiciamento de 37 pessoas, 25 delas militares da ativa ou da reserva, por crimes como “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” (artigo 359-L, do Código Penal), “Golpe de Estado” (artigo 359-M, do Código Penal) e “Organização Criminosa” (Lei 12.850/2013).

Fazem parte do rol de indiciados o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro; o ex-candidato a vice-presidente, ex-ministro da Casa Civil e ex-ministro da Defesa, general da reserva Braga Netto; outro ex-ministro da Defesa, o também general da reserva Paulo Sérgio Nogueira da Silveira; o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general da reserva Augusto Heleno; o ex-comandante da Marinha, almirante da reserva Almir Garnier; o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres; o ex-assessor especial da presidência, Felipe Martins; o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagen; o ex-secretário-executivo da Secretaria Geral da Presidência, general de brigada da reserva Mario Fernandes; e o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, entre outros tantos.

Muito se falou nos últimos dias sobre o inquérito da PF, mesmo porque revela que a ruptura institucional, violenta, com assassinatos de autoridades, esteve mais perto de acontecer do que se imaginava. Sabe-se, hoje, que tudo está conectado. Começa pela descredibilização do sistema eleitoral, com ataques às urnas eletrônicas; passa por críticas sistemáticas a autoridades do judiciário, especialmente ministros do Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral; pelo incentivo aos protestos e acampamentos em frente a quartéis e unidades militares; pelo questionamento da derrota de Bolsonaro, sob alegação de fraude; até o ataque às sedes dos poderes no 8 de janeiro.

O que também se sabe agora é que naqueles dias de dezembro, quando Lula tinha vencido e a transição, ainda que turbulenta, estava em andamento, um grupo de ministros palacianos conspirava com oficiais dos comandos especiais do Exército para assassinar, a tiros ou por envenenamento, o próprio presidente eleito, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro Alexandre de Moraes, do STF. Outros seriam presos.

Todo esse plano, idealizado primariamente pelo general Mario Fernandes, teria recebido o aval do próprio então presidente Bolsonaro. Dinheiro foi destinado a financiar a operação. Reuniões aconteceram, no Palácio da Alvorada e também na casa de Braga Neto. “Kids pretos”, como são chamados os militares dos comandos especiais baseados em Goiânia, monitoraram a segurança e os itinerários dos alvos. Concluídos os assassinatos, um “Gabinete de Crise”, formado por militares, seria instalado. Bolsonaro seria “proclamado” vitorioso e mantido no poder.

Desde o dia 21, o entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro e brasileiros infelizmente identificados com esta extrema-direita reacionária e odiosa tem feito o que sabem fazer de melhor. Atacam o Judiciário, a Polícia Federal e a imprensa. Dizem que “não há provas”, que Bolsonaro é inocente, mas há um fato que qualquer observador medíocre seria capaz de identificar, se imbuído de mínima boa vontade. Ninguém, absolutamente ninguém, negou peremptoriamente os fatos. Nem mesmo o principal interessado, Jair Bolsonaro.

"O ministro Alexandre de Moraes conduz todo o inquérito, ajusta depoimentos, prende sem denúncia, faz pesca probatória e tem uma assessoria bastante criativa. Faz tudo o que não diz a lei", reclamou Bolsonaro na rede social X. “Tem que ver o que tem nesse indiciamento da PF. Vou esperar o advogado. Isso, obviamente, vai para a Procuradoria-Geral da República. É na PGR que começa a luta. Não posso esperar nada de uma equipe que usa a criatividade para me denunciar”, disse o ex-presidente.

Neste sábado, 23, Bolsonaro voltou a atacar o inquérito. Disse numa live que a Polícia Federal estava "buscando chifre em cabeça de cavalo". Também criticou as recentes prisões de militares relacionadas ao caso, que classificou como “injustas”.

É curioso observar que, além de atacar Moraes e a PF, de concreto nada mais disse Bolsonaro. O ex-presidente poderia ter afirmado que jamais autorizou o plano do general Fernandes. Que nunca discutiu nada disso com Braga Netto. Que jamais pensou em matar Lula. Mas o ex-presidente não disse nada disso.

Seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, adotou comportamento ainda mais peculiar. Disse que “pensar em matar alguém não é crime”, como se admitisse, sem assumir oficialmente, que podem ter acontecidos os preparativos. Sua tese? "Sem ato, não há fato. Se a execução não começou, não há que sequer falar em tentativa", sustentou, também na rede X.

E o general Braga Netto, apontado como um dos artífices do plano assassino e anfitrião de uma das reuniões preparatórias? O que falou depois de ser indiciado? Que nunca participou de conspiração nenhuma? Que repudia e jamais concordaria com este tipo de coisa? Ou que a reunião na sua casa jamais aconteceu? Nada disso.

Limitou-se a dizer que as acusações são “fantasiosas e absurdas”. "Nunca se tratou de golpe, e muito menos de plano de assassinar alguém. Agora parte da imprensa surge com essa tese fantasiosa e absurda de 'golpe dentro do golpe'. Haja criatividade...”. Então se tratava do que, general? O que os oficiais que monitoraram e planejaram matar o ministro Alexandre de Moraes, além de Lula e Alckmin, faziam na sua casa? As conversas capturadas nos celulares dos envolvidos são falsas? O senhor nunca discutiu nenhuma medida de exceção? Para nada disso, há respostas apresentadas por Braga Netto.

Como se posicionou o general Mário Fernandes, que teria tido a ideia dos assassinatos e coordenou pessoalmente as operações, batizadas de “Copa 2022” e “Punhal Verde e Amarelo”? Preso desde 19 de janeiro, o próprio não teria como dizer nada. Mas sua defesa, já constituída, poderia ter afirmado que ele nega veementemente as acusações. Que ele nunca participou de plano nenhum. Que não coordenou as operações. Que não falou com outros “Kids pretos”. Mas seus advogados tampouco disseram o que quer que seja. Nada. Nem uma linha.

Qualquer pessoa inocente acusada de um crime de tamanha gravidade reagiria, imediatamente, de forma bem óbvia: negaria a participação. Comprovaria, item a item, que é tudo infundado, mostrando que não esteve nos lugares indicados nem conversou com as pessoas relacionadas, muito menos fez ligações ou esboçou planos. Mas no caso deste inquérito da PF, nenhum dos principais acusados adota este comportamento.

Se não o fizeram é porque não tem como fazer. Há muitos envolvidos e ninguém sabe o que cada um vai dizer nos seus depoimentos à Justiça. Que tipo de prova cada um guardou. Que áudios preservaram. De onde veio o dinheiro, cuja origem pode ser rastreada. E ainda tem o agravante do tenente-coronel Mauro Cid, que a tudo assistiu e de tudo participou, convertido hoje em “delator premiado”.

Como contestar as informações – e os documentos – que o homem que carregava os celulares do ex-presidente, cuidava de sua agenda e até se aventurava no mercado negro para vender presentes de Estado recebidos pelo seu chefe, possui?

Impossível. Por isso mesmo, os principais envolvidos que se pronunciaram se limitaram a atacar seus denunciantes. Mas desmentir a participação no que quer que seja, de forma clara, ninguém fez.

Estivemos à beira de um violentíssimo e sangrento golpe de Estado. Seus artífices e cúmplices são conhecidos. Sobram provas. Tudo está nas mãos da Procuradoria Geral da República, que deve analisar o material com cuidado e isenção e decidir pelas denúncias. Que sejam feitas as cabíveis, sem demoras.

O julgamento, no STF, deve ser imaculado, sem paixões. Não basta ser justo, tem também que parecer justo. Por isso mesmo, mais do que nunca, é imprescindível que o ministro Alexandre de Moraes se declare impedido e se afaste das deliberações. Que seus colegas julguem, sem sua participação, já que nenhum humano, por mais íntegro que seja, está em condições de ser isento ao julgar uma causa na qual é também vítima.

Que todos que participaram desta excrescência, sejam civis ou militares, apoiados por uma pessoa ou por milhões de brasileiros, acabem punidos. Nenhuma pessoa pode estar acima da lei. Nem Bolsonaro, nem generais, nem absolutamente ninguém.

Corrêa Neves Jr é jornalista, diretor do portal GCN, da rádio Difusora de Franca e CEO da rede Sampi de Portais de Notícias.

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