Cotidiano

Ao menos 8% das armas apreendidas após crimes em São Paulo pertenciam a CACs

Especialistas afirmam que o percentual é elevado, podendo ser ainda maior, considerando que 50% das armas , o que impossibilita o cruzam

Por Raquel Lopes | 10/03/2024 | Tempo de leitura: 4 min
da Folhapress

Agência Brasil

Das 47.748 armas recolhidas em São Paulo no período de 2015 a 2020, 3.873 foram de CACs
Das 47.748 armas recolhidas em São Paulo no período de 2015 a 2020, 3.873 foram de CACs

Ao menos 8% das armas apreendidas por serem usada em atividades criminosas no estado de São Paulo pertenciam a CACs (colecionadores, atiradores desportivos e caçadores), segundo relatório produzido pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

De acordo com o documento, das 47.748 armas recolhidas em São Paulo no período de 2015 a 2020, 3.873 foram de CACs. Ao menos 1.312 armas foram adquiridas e registradas no Exército a partir de 2019, início do governo de Jair Bolsonaro (PL).

O TCU chegou a essa análise após ter acesso integral ao Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas), base de dados do Exército, e cruzar as informações com o banco de dados de armas apreendidas em São Paulo de 2015 a 2020.

Os dados de apreensões fornecidos pelo Instituto Sou da Paz ao TCU são provenientes do Governo de São Paulo e foram obtidos por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).

A lista de armas inclui dados de todas as apreensões policiais, predominantemente realizadas pela Polícia Militar em casos de flagrantes de crimes como roubo, porte ilegal e ameaça. No entanto, é possível que exista um percentual menor de apreensões cautelares por decisão judicial.

Especialistas afirmam que o percentual é elevado, podendo ser ainda maior, considerando que 50% das armas apreendidas apresentavam numeração suprimida, o que impossibilita o cruzamento de dados.

Já para o líder da bancada da bala e novo presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, Alberto Fraga (PL-DF), 8% é um percentual baixo, podendo estar ainda superestimado.

"O CAC que se envolve em ocorrência tem que ver o rigor da lei, ele não tem que andar armado na rua. Mas essas eventualidades não podem ser generalizadas porque é uma categoria pacífica, ordeira e trabalhadora", disse.

Os dados fornecidos pelo TCU indicam ainda que apenas 86 armas apreendidas estavam registradas no sistema do Exército como roubadas, furtadas ou extraviadas. De acordo com as normas, quando ocorre qualquer incidente desse tipo com uma arma, é obrigatório que o proprietário informe o Exército em até 72 horas, podendo receber até uma sanção administrativa.

O Exército foi procurado, mas não respondeu até a publicação deste texto. Atualmente, há 1,3 milhão de armas nas mãos desse grupo registradas no Sigma.

Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, diz que a auditoria do TCU comprova que as armas registradas legalmente no Exército em mãos de CACs foram posteriormente desviadas e usadas em crimes.

"O trunfo usado pela indústria de armas brasileira e bancada da bala era dizer que as armas legais não migravam para o crime. Para dar longevidade a esse mito contavam com benevolência do Sigma ser uma caixa-preta, ainda inacessível às polícias para rastreamento de armas. Como não se podia rastrear, não se podia atestar o tamanho da participação de armas registradas no Exército no mercado criminal", afirma.

Roberto Uchôa, especialista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que a mudança da política de controle do setor fortaleceu essa ligação de armas saindo do mercado legal para o mercado ilegal.

O percentual de armas de CACs apreendidas tornou-se mais significativo nos anos de 2019 e 2020, coincidindo com o início das flexibilizações, que resultaram em um aumento no número de CACs e, por conseguinte, de armas em circulação.

A reportagem já tinha mostrado que 5.200 condenados pela Justiça conseguiram obter, renovar ou manter o registro de CAC no Exército entre 2019 e 2022. Eles respondiam principalmente a acusações por porte ou posse ilegal de armas, lesão corporal e tráfico de drogas.

Os técnicos do TCU concluíram que o Exército falhou em suas atribuições ao apontar "sérias fragilidades" na fase de comprovação da idoneidade de quem obteve ou renovou o registro de CAC.

Langeani diz que os dados ressaltam a relevância de investigar e aprimorar os procedimentos de controle e monitoramento das armas destinadas a CACs, particularmente durante esse período específico do governo Bolsonaro, a fim de mitigar riscos ligados ao desvio de armamentos para atividades criminosas.

"É fundamental identificar e punir os responsáveis pelo afrouxamento criminoso do controle, montar uma força-tarefa para cancelar licenças emitidas de forma irregular e apreender cautelarmente as armas que ainda não foram desviadas para o crime", afirma.

Segundo o cronograma do governo federal, a responsabilidade pelos CACs, clubes de tiro e lojas de armas será integralmente da Polícia Federal a partir de 1° de janeiro de 2025. Atualmente, a atribuição é do Exército.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, herdou de seu antecessor, Flávio Dino, uma pasta com a política de controle de armas ainda em formatação e com a Polícia Federal sem estrutura para receber os CACs. A instituição quer uma reestruturação nessa área.

Adicionalmente, a nova administração chega com uma promessa não concretizada da anterior: o Recompra. O programa está previsto no novo decreto de armas e tem o intuito de estimular a população a entregar voluntariamente suas armas em troca de compensações financeiras.

1 COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.

  • Gildão
    10/03/2024
    Viva o Bostonaro! O incomível, o imorrivel e o inelegível até 2030! Que não volte nunca mais! Praga do século.