TECNOLOGIA

A validade dos contratos online em tempos de clonagem de voz e deepfakes

Por José Milagre |
| Tempo de leitura: 3 min

Há mais ou menos dez anos, algumas poucas plataformas de assinatura de contratos online já existiam. Elas ermam usadas por poucas pessoas e empresas, pois ainda contávamos com um Judiciário muito conservador e ligado ao papel assinado, com duas testemunhas e em alguns casos, com reconhecimento de firma. As pessoas também não acreditavam muito nestas soluções, com medo do contrato não se tornar um título executivo...

Mudou!
O tempo foi passando e as atividades online se intensificando. Tivemos um crescimento da emissão de certificados digitais, para autenticação em sistemas públicos, cumprimento de obrigações e, também, para assinatura de documentos em serviços online

Assinadores
Com isso, pessoas começaram a usar os assinadores, softwares, serviços ou funções em um programa que, identificando seu certificado digital, permitem assinar o documento, sendo que a outra parte pode checar a autenticidade com sua chave pública, ou consultando o certificado digital. Ainda, o documento assinado fica íntegro e se alguma alteração for feita posteriormente, o sistema apontará que não pode mais conferir a assinatura.

Telas sistêmicas e IOT
E não é só isso, as contratações e assinaturas de termos de consentimento começaram a se dar por voz, movimento, selfie, controle remoto, biometria, dentre outros. Hoje, quando você compra uma smart tv ou assistente de voz, antes de ligá-la, tem certamente que assinar inúmeros contratos, com cliques no controle remoto. Esse modelo de contrato é referenciando no Judiciário como o de “telas sistêmicas”

E não para aí...
Quando você liga a TV, pode contratar inúmeros serviços de streaming, canais por assinatura, serviços, séries, etc. A exemplo, para contratar o serviço amazon, basta dizer a sua Alexa “Quero contratar o amazon music unlimited” e pronto! Sua frase é sua assinatura!

E as assinaturas online
Temos alguns serviços que se distinguem, mas usam o mesmo princípio técnico. O primeiro, permite que alguém suba um contrato na plataforma, as partes acessam, tiram foto do documento, fazem uma “assinatura” desenhada, fazem uma selfie e o sistema grava com os metadados. Este é o modelo de assinatura digitalizada. Outro modelo, permite que as partes subam o contrato, e todos os signatários recebem um e-mail e precisam entrar com login e certificado digital, assinando o mesmo, com seu certificado. Este é o modelo de assinatura digital, no Brasil, reconhecido pela Medida Provisória da assinatura digital (2200/2001). Uma parte também pode assinar um arquivo e mandar a outra diretamente, sem plataforma, para que esta assine com seu certificado digital, no entanto, a plataforma funcionaria como um terceiro de boa-fé, uma testemunha, coletando diversos metadados destas operações e armazenado dados sobre este registro digital.

E nas telas sistêmicas
O Sistema ou aplicativo da TV ou assistente grava sua voz, grava seu vídeo ou clique com metadados, armazenando isto de forma segura, e em casos de divergências, por exemplo, apresenta estas informações coletadas, data, hora, ip, metadados, token e outros dados, que em tese provariam sua manifestação de vontade!

Problemas
Não há dúvida que, assim como nas contratações de papéis, existem problemas de repudio de assinaturas nos contratos online. Inúmeros recursos hoje, como deepfakes, permitem que se crie, a partir de áudios e vídeos de uma pessoa, uma sequência de vídeos e áudios idênticos, com outras falas, simulando atos de uma pessoa, inclusive contratação de serviços ou declarações comprometedoras. Além disso, existem questões de roubo de certificados ou mesmo criminosos que conseguem dados para assinar contratos de empréstimos e outros, como se fossem as vítimas.

Validade
Não há duvidas que o Judiciário já reconhece os contratos online interativos, intersistêmicos ou mistos como validos, por outro lado, diante de problemas e divergências cada vez mais comuns no Judiciário, a pericia técnica em informática, para análise da sistemática e de evidencias, para apurar se houve a assinatura ou não, será fundamental, sobretudo, para esclarecer se o ato foi praticado, levantando dados como geolocalização, data, hora, dados do dispositivo, IPs e outras informações geradas pelas assinaturas online, bem diferente das de papel, onde o exame era basicamente o grafoscópico.  Novas tecnologias, novos problemas...

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