GAZETILHA

Os passos de Tarcísio

É justamente no diálogo com o interior que Tarcísio tem patinado. Leia mais no artigo de Corrêa Neves Jr.

Por Corrêa Neves Jr. | 02/04/2023 | Tempo de leitura: 6 min
CEO da Sampi

Reprodção

“Em política, nada é desprezível”
Benjamin Disraeli
, político britânico

Dizer que o governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos) começou mal seu mandato seria, mais que um exagero, uma inverdade. Desafiado pelos impactos da tragédia no litoral norte - atingido pela maior chuva da história, com desabamentos de casas e mortes que sensibilizaram todo o país e repercutiram no mundo – Tarcísio de Freitas fez o que se espera de alguém que ocupa a sua posição: liderou, com lucidez, o enfrentamento das consequências.

Foi rapidamente para São Sebastião, a região mais atingida, e de lá governou pelos dias seguintes. Coordenou ações, conversou com vítimas, visitou os locais mais atingidos, indicou o caminho que pretende percorrer para reparar os estragos e para evitar que tragédias semelhantes, independente de condições climáticas, se repitam com a mesma intensidade. De quebra, num gesto que irritou a extrema-direita, agradeceu o apoio do presidente Lula, ao lado de quem posou para fotos, e sinalizou que dificilmente repetirá no Estado o governo sectário e raivoso que se tornou marca registrada da gestão de seu mentor, Jair Bolsonaro.

Não foi a primeira vez que irritou a extrema-direita desde que assumiu o cargo. Antes disso, na sequência da invasão a Brasília no 8 de janeiro, aceitou o convite do presidente Lula para a reunião com os governadores e demonstrou alinhamento com líderes diversos, à esquerda e à direita, unidos na defesa da democracia.

Mesmo quando trafega por temas espinhosos como a privatização da Sabesp, Tarcísio tem evitado a verborragia e concentrado tempo e energia para fazer uma defesa técnica de suas intenções. Anunciou um estudo prévio para analisar a viabilidade da privatização e insiste que há duas premissas básicas para que leve a venda da Sabesp adiante: o modelo a ser desenhado após a conclusão do estudo precisa garantir a universalização do saneamento básico antes dos prazos hoje fixados pela Sabesp e, também, precisa haver garantia de que a tarifa ficará menor.

É difícil que, mesmo diante desses pontos, Tarcísio consiga amplo apoio para a privatização, mas é inequívoco que fica bem mais palatável. Ainda assim, vai dar muito pano para manga, mas ninguém pode acusar Tarcísio de estar fazendo nada diferente do que prometeu na campanha. Ele havia dito que faria a privatização da Sabesp e, ainda assim, a maioria dos eleitores paulistas, grande parte deles do interior, optou por seu nome. Pode-se chamá-lo de liberal, privatista, conservador. Jamais, pelo menos até agora, de incoerente.

Curiosamente, é justamente no diálogo com o interior que Tarcísio tem patinado. Prefeitos, vereadores e lideranças se ressentem da dificuldade de uma interlocução mais próxima com o Palácio dos Bandeirantes. É natural que, após três décadas de governos tucanos, a mudança no comando do Estado traria alguns obstáculos. Servidores, sejam de carreira ou nomeados, que estavam há anos em funções-chave, foram exonerados. Faz parte, e era até óbvio que aconteceria.

O que ninguém esperava é que o processo de “destucanização” acontecesse de forma tão abrupta. Os que entendiam como a máquina funcionava, como eram feitos os convênios, de que forma eram liberados os repasses, o que podia ou não podia ser feito de acordo com a intricada burocracia estatal, não estão mais lá. E quem ocupou o lugar, ou não conhece a máquina ou não conhece o interior. Muitas vezes, ignoram completamente tanto uma coisa quanto outra. As dificuldades são evidentes.

Some-se a isso o fato de que Tarcísio, carioca que fez sua vida em Brasília, parece mais à vontade na Europa ou nos Estados Unidos do que no interior. É fato que ele fez algumas rápidas visitas ao interior, quase sempre a destinos que ficam a não mais de uma hora do Palácio dos Bandeirantes. Esteve nas ultimas semanas em Campinas, São José dos Campos, Piracicaba. Passou também por Rio Preto, exceção à regra na proximidade com a Capital. Mas ainda assim, nada perto do que fez na campanha.

Tarcísio e sua equipe precisam entender, de fato, que o interior paulista é um mundo à parte. É praticamente do tamanho da França, tem uma população que se mede na casa das dezenas de milhões de habitantes, concentra parte significativa da riqueza nacional, mas pensa e age de forma muito diferente de quem vive na Capital. O paulista do interior gosta do contato físico e quer ver seus líderes de perto. Tomar café no Centro das cidades, visitar entidades, passar por portais, rádios, jornais e emissoras de TV, reunir-se com prefeitos e vereadores nos seus municípios não é perda de tempo nem deve ser comportamento que se repita só durante as campanhas eleitorais. Tem que fazer parte da rotina.

Um bom exemplo, que poderia inspirar o governador Tarcísio de Freitas, vem da Inglaterra onde ele estava quando sofreu uma crise renal, nesta última semana, e que o levou a ser internado em Londres. No filme “O Destino de Uma Nação” (The Darkest Hour), que retrata o início do mandato de Winston Churchill como primeiro-ministro inglês, em 1940, momento em que Hitler avançava impiedosamente sobre toda a Europa, há uma passagem emocionante.

Churchill está exausto, desgastado, sofre a desconfiança de seus colegas no parlamento, não tem tropas suficientes nem armamento que possa fazer frente à máquina de guerra nazista. Muitos o pressionam a tentar um acordo de paz com Hitler, mas Churchill resiste. É noite, ele está em casa e recebe a visita do rei Jorge V. Ele divide suas angústias com o monarca, que o acalma. Rei Jorge diz que vai apoiá-la incondicionalmente, mas que ele precisa ouvir o povo inglês. “O povo saberá guiá-lo”, aconselha. É isso que Churchill faz, a seu modo. Deixa o carro com o motorista e entra no metrô. Ouve de pessoas comuns que ele jamais deveria negociar com Hitler e que se preciso lutariam rua a rua com os nazistas. Churchill se anima, faz um discurso histórico no parlamento, une a Inglaterra e pavimenta o início do caminho que levaria à derrota alemã.

Não se sabe se o episódio realmente aconteceu ou se é apenas ficção, mas a lição que dele se extrai não se altera por isso. Ao governante, cabe ouvir o povo. Às vezes por pesquisas, noutras tantas por seus líderes. Mas em muitas ocasiões, diretamente. Num café na praça, na porta de uma fábrica, num ponto de ônibus. Podem surgir percepções muito boas. Não raro, até melhores do aquelas derivadas dos encontros e reuniões com a elite da Faria Lima. Doria preferiu não fazê-lo. Ficou tão sem apoio que não conseguiu nem perder – foi simplesmente alijado do processo, como lixo que se descarta. Para quem, como Tarcísio, vai enfrentar a oposição da esquerda e o tiro amigo do bolsonarismo de direita, criar conexões com o interior que o abraçou não é apenas uma boa ideia. Deveria ser uma obsessão. Imediata.


Corrêa Neves Jr é jornalista e CEO da Sampi.net.br, a maior rede de notícias baseada no interior, com 8,2 milhões de leitores. Este artigo é publicado simultaneamente nos portais de Araçatuba (Folha da Região), Bauru (JCnet), Campinas (Sampi Campinas), Franca (GCN), Jundiaí (Jornal de Jundiaí), Piracicaba (JP), Rio Preto (Diário da Região), São José dos Campos (OVALE) e edição Nacional, todos afiliados à rede Sampi de Portais (sampi.net.br).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

4 COMENTÁRIOS

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  • Darsio
    15/04/2023
    Gostei do artigo. Muito claro e uma visão desgarra de ideologismos. Não votei no Tarcísio, mas torço para que faça um bom governo. Mas, no que tange a privatização da Sabesp, sinceramente não acredito que a venda da estatal fará com que a tarifa seja mais barata. Afinal, qual foi a privatização que resultou no barateamento dos serviços? A título de exemplo, venderam a Vale do Rio Doce e a CSN e, hoje pagamos caríssimo pelo aço e, isso pode ser sentido durante a construção de uma casa. E, olha que somos o maior produtor de minério de ferro no mundo. E, o que dizer do setor elétrico, em que nesse momento as hidrelétricas estão com os seus reservatórios transbordando, mas ainda assim somos forçados a pagar mais caro por eletricidade gerada pelas termoelétricas. Portanto, entendo que certos setores são de profundo interesse público e, não deveriam estar a serviço dos interesses lucrativos do setor privado. A Bolívia chegou a privatizar a sua água e, o encarecimento dos serviços impediu o acesso a ela por parte da população mais pobre, gerando revoltas e forçando o governo a voltar atrás. É para se pensar.
  • Helio P Vissotto
    06/04/2023
    Taí uma opinião típica de um militante travestido de jornalista!
  • João dos santos
    05/04/2023
    Texto mais mequetrefe, aliás, desse jornaleco, não podia se esperar menos, ou mais… O governo tem pouco mais de 100 dias, já enfrentou uma crise violenta no litoral, e passou por ela com méritos. Mas problema não é o “interior”, mas esse tipo de opinião de gente de interior…
  • José Roberto
    03/04/2023
    O cara é carioca conhece o que do estado de São Paulo?!?! Não sabia nem o nome da escola onde votava. Pegou uma casa emprestada de um primo para votar. Depois nordestino que não sabe votar