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Virado à paulista é a dica gastronômica para hoje
Antes que alguém diga que um prato desses é no mínimo pantagruélico, vai o lembrete...
06/05/2018 | Tempo de leitura: 4 min
4 xícaras de feijão lavado e cozido
200 g de toucinho fresco
4 dentes de alho amassados
1 cebola grande picada
Sal a gosto
1 colher (sopa) de salsa picada
1 colher (sopa) de cebolinha verde picada
2 xícaras (chá) de farinha de milho
600 g de linguiça de calabresa
4 ovos
4 xícaras de couve picada
Antes que alguém se espante e diga que um prato desses é no mínimo pantagruélico, vai o lembrete. No tempo das entradas e bandeiras, justificava-se a composição altamente calórica: feijão +toucinho+ farinha+ linguiça+ bisteca+ ovo+ couve+ banana+ arroz. Entrantes e bandeirantes faziam única refeição ao dia; o resto do tempo era empregado para desbravar matas. Entende-se que em sua dieta básica se concentrassem tantos carboidratos e proteínas, pois estes eram indispensáveis à manutenção de um organismo em grande parte voltado para a força bruta. Muito esforço físico e mental do nascer ao pôr do sol exigia comidas alentadas mas fáceis de preparar, porque tudo pela frente era selva salpicada aqui e ali por raras povoações. Nos seus farnéis esses desbravadores - para uns heróis, para outros vilões - levavam alimentos não perecíveis como feijão, farinha, carne seca, sal, toucinho defumado. Quando paravam, cozinhavam o feijão com a carne e o toucinho e juntavam farinha de milho. Essa lembrança sobre o tipo de farinha é importante toda vez que se faz resgate culinário do prato que se tornou emblema de São Paulo e patrimônio imaterial da gente paulista. Porque a farinha que levavam era a de milho; a de mandioca só se tornou usada em maior escala no Brasil Colônia do século seguinte. Dessa forma, o tutu mineiro, feito com farinha de mandioca torrada, vem depois do virado paulista, feito com farinha de milho. O jeito como os grãos compõem o prato também se diferencia: no virado, eles entram inteiros; no tutu, parte é amassada. Por conta disso a textura igualmente varia: o feijão dos mineiros é quase um purê; o dos paulistas fica mais próximo do tropeiro gaúcho, embora não seja do tipo farofa como o daqueles, que por sua vez já constitui uma terceira vertente no gênero. Enfim, para se fazer justiça, é preciso entender que em se tratando de Minas e São Paulo, os paulistas foram pioneiros e os verdadeiros criadores do virado.
O historiador Dias Lopes conta que “a mais antiga referência documental ao virado data de 1602, quando Nicolau Barreto realizou a famosa expedição aos atuais territórios do Paraguai, Bolívia e Peru. Também conta-se que Dom Pedro I, na viagem do Rio de Janeiro a São Paulo, no qual se deu o famoso “Grito do Ipiranga”, comeu virado a 17 de agosto de 1822 na Fazenda Pau d’Alho, na então vila de São José do Barreiro, Vale do Paraíba.”
O nome “virado” traz em si a gênese do próprio prato. Quando paravam em lugar favorável, os entrantes, que na verdade buscavam ouro, esmeraldas, diamantes e índios a escravizar, cozinhavam uma quantidade maior de feijão, que não salgavam para que os grãos não endurecessem; assim como fritavam o toucinho que levavam, pois havia sempre incertezas pelos caminhos. Ao lado da farinha de milho colocavam separados tais ingredientes para reuni-los onde parassem, mas a viagem a cavalo por caminhos íngremes juntava no farnel o que fora destinado a ficar desunido. Tudo virava e revirava e muitas vezes isso era providencial: na lida de abrir caminhos, pouco tempo sobrava para aquecer a comida, consumida então com as mãos e enquanto se cavalgava. Entretanto, quando chegavam a algum pouso ou povoado, havia a possibilidade de encontrarem verduras, geralmente couve, e ovos, porque toda casa deste período tinha galinheiro e chiqueiro. Ao virado básico acrescentavam-se essas outras misturas, que enriqueciam a refeição. O legado manteve-se em sua forma mais opulenta e chegou assim ao século XXI. Nos restaurantes da capital de nosso Estado, são servidos semanalmente 500 mil virados todas as segundas-feiras. É o conhecido “prato do dia”. A iguaria nunca saiu da mesa paulistana.
A foto desta página retrata a receita básica e está acrescida de linguiça e torresmo. Achei um exagero o ovo frito e coloquei-o cozido. Você pode eliminar os quatro acompanhamentos ou acrescentar todos os tradicionais. Mas aí será um prato único para ser saboreado quando o dia estiver bem frio. Como estão dizendo que teremos um inverno rigoroso, a sugestão pode ser oportuna.
Cozinhe o feijão com cuidado para que os grãos se mantenham inteiros. Frite em fogo médio o toucinho fresco cortado em pedaços pequenos. Deixe dourar, retire os torresmos, reserve. Escorra o excesso de gordura mantendo apenas duas colheres (sopa) na panela. Junte o alho picadinho e em seguida a cebola. Quando estiver transparente, refogue o feijão e o caldo reservado. Mexa com colher de pau, salgue, cozinhe por alguns minutos. Vá acrescentando a farinha aos poucos, em forma de chuva. Mexa de cada vez e espere uns minutos antes de acrescentar mais. O virado não pode ficar mole como tutu nem farofento como o tropeiro. O ponto é fundamental; tenha cuidado com a farinha. No final, junte a salsa e a cebolinha. Reserve em lugar aquecido enquanto frita a linguiça. Com um palito faça alguns furos no embutido e coloque em panela com água, deixando cozinhar e depois fritar na própria gordura. Arrume o virado na vasilha de servir, cerque com a couve refogada em manteiga, disponha as linguiças, os torresmos, os ovos cortados e sirva. Um golinho de pinga cai que é uma beleza antes de começar a comilança.
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