
Hoje eu quero conversar com você que está triste, jururu, meio borocoxô, sabe? E quero fazer isso porque eu também estou triste, jururu e meio borocoxô. Eu não sei você, mas esse mês que passou parece que passou por cima da gente, deixando um rastro de catástrofe e um cheiro miserável no ar.
Eu até tentei me esquivar das notícias. Na TV, eu era tão rápido com o controle remoto para mudar de canal ao primeiro sinal de notícia ruim, quanto Clint Eastwood sempre foi com o seu revolver nos filmes de faroeste dos anos 1960. Eu fujo dos telejornais como o diabo foge da cruz. Tudo isso porque eu sei que na primeira notícia sobre pandemia ou política, vou me entristecer mais do que já estou.
Nas redes sociais eu me comporto como o herói da trilogia Matrix. Lembra do Neo, personagem de Keanu Reeves, desviando das balas de revolver em movimentos acrobáticos? Esse sou eu me desvencilhando das postagens sobre número de mortos e descaso com a saúde. Eu também sei que qualquer informação sobre isso vai me entristecer mais do que já estou.
E mesmo blindado de tudo isso, ainda tem os amigos e parentes que estão enfrentando problemas com a pandemia. Na última semana mesmo, eu recebi várias notícias de pessoas próximas a mim que perderam amigos e familiares para esse vírus. Saber disso também consegue me entristecer mais do que eu já estou. E se tudo isso que eu falei também acontece com você, acho que a gente precisa conversar.
Primeiro: o que é a tristeza? Vou pedir ajuda para Benedito Espinosa, filósofo luso-holandês do século XVII, para responder isso. Espinosa é famoso por ser conhecido como o "filósofo dos afetos", isso porque ele queria entender como as coisas ao nosso redor nos afetam positiva ou negativamente. Ele dizia que todos nós vivemos tendo encontros com o mundo e são esses encontros que vão nos causar alegria ou tristeza.
Espinosa acreditava que nós somos regidos por uma energia chamada "Potência de Agir". Esse energia é como se fosse uma onda e, por isso, ela oscila às vezes para cima, às vezes para baixo. Quando ela oscila para cima, isso significa que houve um ganho de potência de agir proporcionado por um encontro bom. Esse ganho de potência é a alegria. Sabe quando, num dia de muito calor, sua garganta encontra o frescor daquela sua bebida favorita que acabou de sair da geladeira? Ou quando, no quinto dia útil do mês, sua conta no banco encontra o salário suado? Ou naquela ocasião que você encontra aquela pessoa que você gosta tanto e que há muito tempo não via? Pois é… Todos esses encontros aumentaram a sua potência de agir e por isso causaram alegria.
Bom, você já deve ter percebido que se o aumento de potência significa estar em um estado alegre, a diminuição dela é o que te causa tristeza. Quem nunca teve um encontro entre o dedinho do pé e a quina da cama? Ou, num dia de calor, encontrar feijão no pote de sorvete? Ou até mesmo aquele encontro desagradável com o ônibus lotado depois de um dia cansativo no trabalho? Todos esses encontros fazem sua energia cair e fazem você se sentir triste.
Ora… Nada mais humano do que isso. Sentir tristeza significa que o mundo te proporcionou um encontro ruim. Mas vale o alerta: o que é ruim pra mim não é uma regra que serve para todos. Nem todo mundo perderia potência de agir com a topada do pé na quina da cama, ou com o feijão no pote de sorvete, ou com o ônibus lotado. Os encontros com o mundo sempre irão acontecer, mas a maneira como ele nos afeta é totalmente particular.
Mas eu acho que podemos concordar que ver pessoas morrendo aos milhares todos os dias, perceber o descaso dos políticos com a saúde pública, ver amigos perdendo pessoas importantes, ver você mesmo perdendo pessoas importantes, são encontros que diminuem a nossa potência e nos deixam tristes.
Nada mais humano do que isso. Digo mais, seria desumano não se entristecer. Não se culpe pela tristeza. Se sentir triste com isso que está acontecendo só mostra o quão humano você é. Estar triste é a prova de que você se importa. E a pergunta que faço é: o quão triste você está com tudo isso?
Conhecimento é Conquista!
FELIPE SCHADT é jornalista, professor e cientista da comunicação pela USP