OPINIÃO

Saudades de Barbalha


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Na década de noventa, Edgar Antonio de Jesus, Francisco Vicente Rossi e eu fomos a Barbalha, para a celebração do cinquentenário de ordenação sacerdotal do Padre Paulo de Sá Gurgel SDS. Fora diretor do Colégio Divino Salvador, onde nós três estudamos. Voltara ao Ceará, sua origem, para dirigir o Colégio Santo Antônio e agitar o sertão do Cariri.

Íamos descer no Crato, mas o tempo impediu. Descemos em Petrolina, tivemos de tomar um táxi que nos levaria a Barbalha. Eram várias horas de viagem, o motorista alertou que era comum aos jumentos dormirem na pista, mais aquecida à noite do que o descampado. Chegamos pela madrugada e todos já sabiam que nós éramos “os alunos” de Jundiaí do Padre Paulo.

A região do Cariri constou do repertório de Gilberto Gil em “Banda Um”, de 1982. “Para agitar o Baixo Leblon, o Cariri”. É um território de beleza incomparável. Está na imensidão verde da Chapada que leva seu nome e ali três biomas se encontram: Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga. São pelo menos vinte e nove cidades, das quais as principais são Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. O trio é chamado Crajubar.

Padre Paulo nos levou a Juazeiro do Norte, onde viveram Maria de Araújo, a mulher afro testemunha do milagre da hóstia que se transformou em sangue 47 vezes em sua boca. Padre Cícero, milagroso, suspenso das ordens em 1892 e hoje em processo de beatificação.

Emocionante a devoção popular em torno a essa figura lendária e tão polêmica, o Padre Cícero. Mas o nosso destino era Barbalha, onde Padre Paulo recebeu o carinho de toda a população. Missa, falamos durante a celebração, depois palanque e autoridades. Convencemos um garoto a soltar um rojão a cada vez que Edgar, o orador da cerimônia, mencionasse o nome “Padre Paulo”. Foi um foguetório só!

Em Barbalha existe muita água e muito verde. No Complexo Ambiental Mirante do Caldas, tem-se a melhor vista panorâmica da Chapada. Um teleférico de 540 metros leva ao alto do mirante, no meio da Floresta Nacional do Araripe-Apodi, a mais antiga do país. Ali vive o “soldadinho do Araripe”, ave endêmica ameaçada.

Em Barbalha, todo mês de junho, ocorre a Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio, já consagrada como patrimônio imaterial do Iphan. Ela é realizada desde 1860 e mobiliza multidões de romeiros de todo nordeste. O povo acompanha o corte de uma grande árvore, o seu transporte e o hasteamento do mastro. O cortejo é uma espécie de procissão, com promessas ao santo casamenteiro.

Padre Paulo era uma verdadeira lenda em Barbalha, pois sua dedicação à causa da educação religiosa era reconhecida por todos. Integrava uma família muito católica. Irmão do Padre Otávio, que também esteve por Jundiaí e foi jornalista da antiga “Folha”, assim como primo do Padre Mário Teixeira Gurgel, que se tornou o primeiro bispo salvatoriano, servindo em Itabira, Minas Gerais.

Jundiaí muito deve aos salvatorianos, cujo Ginásio, depois Colégio “Divino Salvador” educou legiões, depois de funcionar como Seminário. Os salvatorianos tiveram também o Seminário “Jordanianum”, em Várzea Paulista, no imóvel que era o “Sítio dos Padres” e onde realizavam retiros para os estudantes e suas famílias.

Padre Paulo de Sá Gurgel vive na memória de seus alunos, com o seu dinamismo, sempre a pilotar uma motocicleta com a qual percorria a cidade e pioneiro ao incentivar o convívio entre os alunos do Divino e as alunas do São Vicente. Um dia, questionado pela diretora do São Vicente sobre a participação das educandas nas festas juninas salvatorianas, respondeu: “Meus alunos têm bom gosto! Escolhem as meninas mais bonitas, as alunas do São Vicente para seus pares nas quadrilhas!”.

Com isso, serenou a fera...

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo 

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