Cita-se de quando em vez, o responsável pelo Teatro Municipal, pelo Palácio da Justiça, pelo Mercadão e tantas outras obras magnas da capital e do interior o hoje pouco lembrado Francisco de Paula Ramos de Azevedo.
Nasceu a 8 de dezembro de 1851 em São Paulo, em casa da Rua da Imperatriz, em prédio modesto fronteiro à atual Rua 3 de Dezembro, filho de um casal de gente campineira: o Major João Martins de Azevedo e sua mulher, Ana Carolina de Azevedo.
Campinas faz questão de dizer que Ramos de Azevedo era campineiro. Porque ele mesmo se considerava campineiro. Foi gerado em Campinas e só por acaso nasceu na capital. Costumava lembrar uma cena do “L’Aiglon”, de Edmond Rostand: “O nascimento é fato ocasional; a geração é que vale”.
O Major João Azevedo era campineiro da gema. Ali foi vereador várias vezes. Ramos de Azevedo nasceu em São Paulo porque sua mãe viera acudir uma irmã enferma e a extenuante viagem apressou seu parto. A viagem de Campinas a São Paulo se fazia a cavalo, pois não havia ainda estradas de ferro: a linha para Jundiaí só seria inaugurada em 1867 e a Paulista só faria o início arrojado, de Jundiaí a Campinas, em 1872.
Estudou em Campinas e, aos quinze anos, foi para a Escola Militar da Corte. Participou, como engenheiro, da construção da Paulista e, mais tarde, da Mogiana. Ficou amigo do Presidente da companhia, Antônio de Queiroz Telles, barão e mais tarde Visconde de Parnaíba. Diante de seu talento, foi-lhe recomendado cursar a especialidade engenharia-arquitetura na Escola Politécnica da Universidade de Gand, na Bélgica.
De volta ao Brasil, encarregou-se da construção da Matriz Nova de Campinas, obra que se arrastou por setenta anos. Ramos de Azevedo sempre foi homem “de boa estrela”, como dele dizia Francisco Glicério. A conclusão das obras da Matriz Nova ocorreu em 8 de dezembro de 1883, data em que ele completava 32 anos. Queiroz Telles o atraiu para São Paulo em 1886 e lhe confiou a direção de obras públicas. Durante quarenta e quatro anos, trabalhosos e honrados, ele mudou o panorama da cidade até então provinciana e caipira.
Sabia captar a confiança dos trabalhadores, não se preocupava com raça ou procedência de família. Estimulava a sua gente, os profissionais e colegas de seu conhecimento e da sua amizade, mas acolhia com benevolência paternal os principiantes desconhecidos.
Era muito grato ao jundiaiense Antonio de Queiroz Telles, Visconde de Parnaíba, cujo retrato mantinha na sede da Companhia Mogiana, edifício “Ramos de Azevedo”. Dizia: “Foi esse homem quem me deu a mão no princípio da minha vida, quem me pôs na primeira turma de construção da estrada”. E ampliava as referências com outros fatos que despertavam a curiosidade dos ouvintes aos quais se dirigia, pela vida e trabalhos do Visconde de Parnaíba.
Por cultivar a gratidão e saber escolher os companheiros e auxiliares, além de outras virtudes de penetração psicológica, era um líder em sua categoria. Todos passavam a ser os mais veementes pregoeiros de suas virtudes. Além dos majestosos e suntuosos edifícios que ainda hoje perduram, a demonstrar a solidez de seus cálculos e da zelosa observância dos preceitos técnicos, deixou o Liceu de Artes e Ofícios, o maior legado como obra maior e mais frutuosa de preparo da geração de artífices, operários e grandes artistas paulistas.
Jundiaí guarda dele a reforma da hoje Catedral, então Matriz de Nossa Senhora do Desterro e esboços das Escolas Conde do Parnaíba e Siqueira de Morais. Não é pouco. Sobrevivem à sanha demolitória que desfigurou o cenário acolhedor da Vila Formosa de Nossa Senhora do Desterro, hoje a gigantesca Jundiaí.
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo