Num universo paradoxal e caótico, a realidade se apresenta em pequenos fragmentos, muitas vezes, baseados na bolha da narrativa a qual escolhemos pertencer. O mundo digital, que à primeira vista nos deixaria próximos de tudo e de todos, pelo contrário está mais complexo. Igualmente, há complexidade nas relações pessoais e profissionais. “A relação entre os indivíduos no trabalho se transformou. Nunca se falou tanto em liderança e nunca se sentiu tanto a falta de líderes”, disse em palestra, o escritor e mentor Sidnei Oliveira, no lançamento de seu livro “Líderes em Crise”, na ESPM, em São Paulo, esta semana.
A complexidade que vivemos atualmente exige competências as quais precisamos desenvolver. Para exemplificar, Sidnei conta que, há cem anos, as pessoas tinham náuseas quando a velocidade do automóvel chegava a 50 km/hora. O mesmo acontecia quando estavam num trem a 40 km/hora. Os sintomas são explicados, porque as pessoas ainda não tinham elementos para lidar com essa complexidade.
O cenário que se apresenta é desafiador. “Os líderes querem atuar no modo fácil”, declara o mentor. O mercado traz a promessa de formação de líderes instantâneos, imersões de fim de semana e a complexidade se faz presente exigindo muito mais que as habilidades e competências, anteriormente exigidas, para se conduzir uma equipe.
A velocidade e impaciência estão presentes no cotidiano, juntamente com a informação sem contexto. Somadas a narrativas vazias, embrulhadas em embalagens elegantes e desconectadas da realidade, geram suposições que comprometem o conteúdo e consequentemente, a tomada de decisão, pontua Sidnei. “A comunicação se torna uma versão”, acrescenta.
Ainda falando de comunicação, presenciamos a troca de mensagens, via WhatsApp, cada vez mais curtas, superficiais, incompletas, com emojis, como se o receptor pudesse entender seu interlocutor telepaticamente. Novamente as suposições ganham poder como se fossem a verdade que complementa a informação truncada e os fragmentos ficam acima do todo.
O WhatsApp também conquistou o posto de vigilância, controle e cobrança utilizado pelos líderes. “A cultura do constrangimento, comparações desequilibradas e medo como instrumento de coerção se tornaram ferramentas de uma liderança sem conhecimento”, afirma Sidnei.
Talvez a característica mais grave desses líderes em crise seja a “ética flexível”, enfatiza o mentor. Ele explica que “a urgência de ganhos momentâneos e interesses dos mais diversos tem superado os valores éticos e morais, comprometendo a integridade que se transformou numa fantasia e a verdade em uma versão.”
Diante da realidade paradoxal, Sidnei apresenta algumas sugestões de soluções. “Os líderes podem deixar a superficialidade de lado, procurando se aprofundar diante do mundo raso, assim como, trazer conexão para o mundo fragmentado. Contra o excesso de informação, fazer uma curadoria num mundo barulhento. Ter a coragem de não agradar, num mundo que evita desconforto. Ter ética num mundo que relativiza tudo.”
O livro “Líderes em Crise” trata justamente dos desafios que os altos executivos, que hoje têm entre 35 e 50 anos, enfrentam. E como os líderes veteranos que experienciaram e aprenderam a lidar com a complexidade do passado podem auxiliar os novos líderes por meio da mentoria executiva.
Rosângela Portela é jornalista, mentora e facilitadora