O protagonismo de Tarcísio na Jundiaí de minha adolescência era legendário. Ele se destacava como um dos jovens e dinâmicos advogados que então frequentavam o ainda contido movimento judicial de nossa cidade. Um grupo que, em sua maioria, escolhera a Faculdade de Direito da então Universidade Católica de Campinas para cursar seu bacharelado e do qual faziam parte Walmor Barbosa Martins, Muzaiel Feres Muzaiel, Nahim Pedro Kachan, Cyllas D’Angieri, depois sucedidos por Laerte de França Silveira Ribeiro, Thyrson D’Angieri, Celso Zuchettie tantos outros.
Eram tempos em que a oratória fazia parte do currículo extraoficial do estudo jurídico. E Tarcísio se destacava como o melhor dos oradores. Famosas as suas participações no Tribunal do Júri, em que obtinha a emoção dos jurados e até mesmo do Promotor com o qual contendia.
Erudito, sabia declamar o “Navio Negreiro” e levava a plateia às lágrimas, tamanho o fervor de que era tomado. Dizia-se que, muita vez, servia-se de invocação a juristas que os iniciados na ciência forense não conheciam, como Giandomenico Bucciante. Um nome que causava impressão, principalmente quando pronunciado na entonação retórica de um mestre do discurso. Ninguém o conhecia como autor de Direito, porque era simplesmente o dono da “Chácara das Carpas”, o mais afamado restaurante da Jundiaí daquele tempo.
Um talento polivalente como o de Tarcísio era naturalmente destinado à política. E ele foi um dos mais combativos edis da Câmara Municipal de nossa terra. Sagaz, perspicaz,irônico e persuasivo, suas manifestações no Parlamento local eram emblemáticas. Ninguém conseguia debater com ele, tal o brilho e a loquacidade com que enfrentava os temas de interesse de Jundiaí.
Na condição de vice-prefeito, assumiu secretarias, esteve ao lado de Walmor para implementar uma gestão pioneira e nunca deixou de participar de eventos culturais de relevância para Jundiaí. Lembro-me, dentre outros, a fundação do Clube dos Estados, das Academias de Letras e Jurídica, a Sociedade Jundiaiense de Cultura Artística.
Era profundo conhecedor da história de Jundiaí e atendia, cavalheiresco, todos os convites que lhe eram dirigidos para pronunciar orações encomiásticas, de celebração de datas festivas e de elogios fúnebres de personalidades que merecessem atenção especial dos jundiaienses.
Contemporâneos poderiam narrar fatos pitorescos sobre Tarcísio, como suas intervenções sempre desconcertantes nas sessões da Edilidade, seus apartes no Tribunal do Júri, seu senso de humor, então partilhado por outros luminares da ciência forense em nossa cidade, como o Promotor, depois Procurador de Justiça e finalmente desembargador Jorge Luiz de Almeida. Outro personagem sobre o qual existe muito ainda a se falar.
Os pronunciamentos de Tarcísio não eram reiteração de platitudes ou de chavões. Ele tinha um raciocínio atilado e uma erudição que permitiam criar versão nova a cada oportunidade a que fosse chamado a se manifestar.
Lembro-me de uma tática impressionante. Ele iniciava a sua oração narrando o excepcional talento do músico Niccolò Paganini (1840-1872), considerado o maior violinista do mundo, que executava suas performances com tal fervor e arte, que muitas vezes fazia romper as cordas de seu instrumento.
Depois de narrar essa característica que despertava a atenção do auditório, Tarcísio entrava no assunto para o qual fora chamado. Abordava os temas necessários e, ao encaminhar-se para o final da oração, dizia: “Agora me vejo compelido a encerrar minha fala! Rompeu-se a última corda!”.
Uma publicação de seus discursos representaria um guia para os que pretendem fazer sustentações orais e não conseguem sintetizar um processo com originalidade, sem recorrer a clichês já vazios, de tão reiterados.
Uma vida prodigiosa, plena de êxitos e de merecido sucesso, deixa legado imperecível, a ser cultivado por sua descendência, provida de patrimônio genético e por certo sabedora de que sua memória precisa ser preservada e perenemente narrada, para sadia inspiração das novas gerações.
José Renato Nalini é reitor, docente e Secretário Executivo de Mudanças Climáticas de São Paulo