OPINIÃO

O fast food das relações


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A proposta de que tudo está ao alcance nas pontas dos dedos, basta digitar e rapidinho chega na sua porta ou está na mão, vem fomentando a cultura do menor esforço, o avanço da conveniência e uma crise nas relações humanas.

Atualmente, “vivemos um paradoxo inquietante, quanto mais conectados estamos digitalmente, mais isolados nos tornamos emocionalmente”, diz o escritor Yuval Noah Harari. Em suas análises sobre o futuro da humanidade, ele alerta que “estamos mergulhando em uma era de egocentrismo e egolatria sem precedentes. A tecnologia, que nasceu para ampliar nossas possibilidades, parece nos afastar da própria essência humana, a relação”.

Assim como a alimentação, as relações humanas passaram a operar sob a lógica do fast food: rápidas, práticas, descartáveis e emocionalmente frágeis. O processo de experiência e aprendizado ficou para trás. Relacionar-se passou a ser visto como trabalho pesado, exige esforço exatamente como saborear um bom prato, desacelerar, degustar e estar presente. O que antes era olho no olho, espaço de escuta, presença e construção de significado, foi substituído pela telinha do celular, áudios apressados e respostas automáticas.

O prazer do consumo imediato, com pouco valor nutricional acontece também com as relações. Afeto em pequenas doses, embalado por emojis, silêncios e distrações simultâneas. Não há tempo para digerir emoções, apenas responder, reagir, seguir.

Harari observa que o ser humano contemporâneo demonstra crescente aversão ao esforço do relacionamento. Amar, compreender, perdoar, negociar, escutar são habilidades que exigem tempo, paciência e maturidade emocional. As conexões tornaram-se eficientes, mas não afetivas; presentes, sem presença. O resultado, segundo ele, “é um modelo relacional que reflete a cultura da pressa com vínculos delivery, sentimentos express, convivências take away”.

“O humano está cansado do humano”. Esta afirmação preocupante de Harari nos faz refletir o quanto estamos nos deixando levar por facilidades convenientes. Aceitando pacificamente a sedução pela máquina que não contradiz, é objetiva, previsível, não demanda empatia, nem emoção e, principalmente, não causa transtornos. Basta um comando para atender ao desejo imediato.

O bate-papo com amigos foi trocado pela assistente virtual e a validação pessoal delegada aos likes das redes sociais, que determinam quem você é e estabelece o que vale a pena sentir por meio dos algoritmos. A emoção passa a ser um dado mensurável, e a autenticidade dá lugar à performance. O “Eu” se torna um produto editável, e o outro uma ameaça à nossa zona de conforto digital.

Harari esclarece que esse movimento não é casual. É resultado de uma lógica econômica e cultural que transforma tudo em consumo, inclusive, as relações humanas. Em nome da liberdade individual, cultivamos o isolamento; em nome da autonomia, perdemos a comunhão. Vivemos uma solidão programada, alimentada por um sistema que recompensa o engajamento, não o encontro.

Se o humano continuar buscando apenas eficiência, corre o risco de perder aquilo que nenhuma inteligência artificial poderá simular - a experiência de ser plenamente humano. A máquina pode otimizar processos, mas nunca compreenderá o sentido de uma pausa, o tom de um silêncio, o impacto de um gesto autêntico. Para refletir: Como anda a sua relação com a IA?

Rosângela Portela é jornalista, mentora e facilitadora

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