OPINIÃO

Heloísa Negrão


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Vamos ficando cada vez mais pobres e mais sozinhos a cada perda de referências afetivas. Atinge-se um estágio existencial em que lamentar a morte de pessoas queridas passa a constituir rotina. Mas há partidas mais dolorosas do que tantas outras. Uma delas é a morte de Heloísa Negrão.

Razões não faltam para essa tristeza. Objetivamente considerada, ela era bonita, simpática, amável, eficiente e prestativa. Antes de merecer o especialíssimo privilégio de sua amizade e presença em todos os nossos encontros familiares, aprendi a cultivá-la de longe.

Toda a juventude à época, falo dos anos sessenta, assistia à missa das onze na então Matriz Nossa Senhora do Desterro. E era ali, a cada domingo, que a bela moça comparecia muito bem vestida, em pleno acordo com a moda, chamando a atenção por sua elegância e por seu sorriso encantador. Admirei-a à distância, antes mesmo de saber quem era.

Conheci-a na condição de assistente social da então poderosa Argos Industrial. Os jundiaienses se orgulhavam de possuir a grande empresa têxtil que fabricava o brim utilizado para as fardas e uniformes das Três Armas: Exército, Marinha e Aeronáutica usavam o produto de nossa terra. O grupo da família Diederichsen era um dos mais representativos do pujante centro industrial em que a “Terra da Uva” se converteu.

Ali Heloísa reinava e imperava. Quantas pessoas podem testemunhar o quão generosa foi, ao ter paciência infinita para ouvir os reclamos, as queixas, as angústias dos funcionários que a procuravam e que nela viam um porto seguro para ofertar lamúrias e receber acolhida plena. Não só com as providências concretas para sanar o que atormentava os que buscavam sua proteção, mas também para o serviço de orientação, de direção psicológica, de conforto carinhoso, que é o que mais falta aos injustiçados.

A melhor relações públicas do grupo Argos se encarna nela. Era comum que visitantes ilustres procurassem conhecer o complexo fabril e aquilo que se propalava caracterizar uma empresa que já tinha consciência de sua responsabilidade social. Havia a vila para os empregados, a creche, a escola, o abrigo, a assistência médica e hospitalar.

Heloísa recebia a todos com fidalguia. Sabia explicar as fases da fabricação. Acompanhava as comitivas que saíam deslumbrados com a recepção calorosa e isso era um tento para a indústria.

Ela também realizava festas e congregava toda a família Argos nesses encontros que soldavam a relação cooperativa entre patrão e empregados. Fazia parte do noticiário local os Natais, com o belo presépio no jardim da indústria, o teatro infantil, o coral dos filhos de servidores, a distribuição de presentes, a confraternização entre todos. E assim o “Dia da Criança”, “Dia das Mães”, Festas juninas, tudo o que pudesse contribuir para a consolidação de um clima de fraternidade e alegria que amalgamasse todos os integrantes do conjunto empresarial.

Heloísa também participava dos eventos jundiaienses. Era considerada uma embaixatriz da cidade. Chamada a integrar comitivas que percorriam os gabinetes das autoridades quando se cuidava de convidar para a Festa da Uva, para as Festas das Indústrias, do Morango e tantas outras promoções e eventos que faziam Jundiaí figurar no calendário nacional como cidade influente e dinâmica.

Minha família fruiu da presença de Heloísa Negrão em todos os encontros festivos. Ela chegava cedo e auxiliava minha mãe e irmãs com os preparativos. Meu pai a adorava. Ficou feliz quando ela se casou com o seu patrão-amigo, Josef Pfulg.

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br) 

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