OPINIÃO

O efeito manada em versão atualizada de likes


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O ambiente digital é o retrato da sociedade e de sua transformação exponencial, na qual seguir e ser seguido, assim como dar likes é ordem vigente, independentemente de valores, tradição, cultura ou verdade. Além disso, atualmente, contamos com o auxílio valioso da IA para construção de narrativas e imagens.

O comportamento coletivo desperta o interesse, para os mais variados fins, e desde o século XIX até os dias de hoje. Abandonar o pensamento crítico para seguir o grupo e estar “in” é um fenômeno que percorre o desenvolvimento da civilização humana. A “alma coletiva” ou “mente de massa” descrita por Gustave Le Bon em Psicologia das Multidões (1895); depois, Sigmund Freud (1921) com a identificação do inconsciente coletivo e a suspensão da crítica, passando por Ortega y Gasset, no livro “A Rebelião das Massas” (1930) e Elias Canetti com “Massa e Poder” (1960) trazem como mote o abandono da reflexão crítica para aderir ao comportamento coletivo.

Edward Bernays, considerado o “pai das relações públicas”, trouxe no início do século XX reflexões que hoje parecem uma radiografia das mídias sociais. Suas ideias sobre opinião pública, persuasão e o poder simbólico ajudam a entender como plataformas digitais, sob a aparência de liberdade e espontaneidade, tornaram-se os principais espaços de manipulação contemporânea. O uso de algoritmos, marketing de influência e storytelling são desdobramentos diretos de sua visão.

Tudo junto e misturado..Essa expressão popular incorporada incondicionalmente pela mídia, que virou um símbolo da irreverência e da espontaneidade da comunicação brasileira, é exemplo do comportamento coletivo em verso e prosa. Quanto mais um conteúdo é curtido, comentado e compartilhado, maior a probabilidade de que outros também o façam, não por convicção, mas pelo desejo de pertencimento e validação social.

Bernays alertava para esse mecanismo quando falava da necessidade de símbolos coletivos capazes de unir massas em torno de uma ideia. Os “trending topics”, verdadeiras ondas virais e movimentos digitais que se espalham como fogo em palha seca demonstram isso. O “efeito manada” transforma a opinião pública em rebanho digital, conduzido por algoritmos e por líderes de opinião que, muitas vezes, são escolhidos não pela consistência de suas ideias, mas pelo apelo emocional e estético que exercem sobre as massas.

A coleta massiva de dados em tempo real colabora para a máxima de Bernays. Plataformas e marcas sabem mais sobre desejos, medos e hábitos do que os próprios indivíduos. A comunicação estratégica se transforma em estratégia de controle, reforçando bolhas informacionais e polarizações.

Se, no tempo de Bernays, líderes, celebridades e especialistas eram mediadores de mensagens, hoje os influenciadores ocupam esse papel. A diferença é que, em muitos casos, a autoridade é medida não pelo conhecimento, mas pelo número de seguidores. A legitimação social vem da popularidade, não da competência, abrindo espaço para a superficialidade e a desinformação.

O alerta de Bernays é claro: quando a opinião pública é fabricada em escala industrial, a democracia se fragiliza. As mídias sociais, em vez de fortalecer o debate plural, frequentemente alimentam ilusões coletivas e consensos artificiais, consolidando o efeito manada que intensifica a sensação de liberdade, quando na verdade se trata de condução silenciosa.

Rosângela Portela é jornalista, mentora e facilitadora

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