Vivemos tempos em que a denúncia pública de casos de racismo vem à tona com força, ainda que tardia. Recentemente, ganhou destaque um episódio ocorrido em 2018 dentro de uma gigante rede de farmácias. A indignação é inevitável: não apenas pela violência da situação em si, mas também pelo valor fixado a título de indenização por danos morais — cerca de 56 mil reais.
É importante ter em mente que as indenizações por dano moral têm o caráter de amenizar a dor experimentada pela vítima e também para que o ato não se repita, na medida em que o (ou os agressores) sintam a dor onde mais dói, qual seja o bolso.
Até aí tudo bem né? Na hipótese a condenação passará até a despercebido em se considerando o poderio econômico da rede de farmácias que, certamente, não inibirá a repetição ou muito menos obrigará a realização de treinamento aos seus funcionários!
De mesmo modo ocorre com tantas outras empresas e grupos econômicos, que pouco se importam com treinamentos, em especial se levar em consideração que eventuais condenações não lhes afetam.
Os casos se repetem todos os dias, lembrando, por exemplo, daquela pessoa que agrediu a chicotadas os entregadores no Rio de Janeiro, condenada a 4 anos de reclusão; aquela defensora pública aposentada chamando entregador de “macaco” condenada a indenização no valor de 40 mil reais; aquele menino com 12 anos de idade humilhado na escola sendo indenizado em 20 mil reais e por aí vai... Dúvidas não pairam que aos valores impostos não inibem a prática. Isso é real.
Já escrevi neste espaço que o judiciário exerce papel fundamental na solução desses conflitos e, muita vez, o posicionamento surge de forma totalmente diversa da base jurídica. Nesse sentido, tomo a liberdade de transcrever trecho de uma decisão encontrada no site do Tribunal Regional do Trabalho São Paulo (TRT2) no ano de 2022, divulgada na rede social, que causa espanto sem tamanho.
Vejamos: “ ... Portanto,qualquer ação de cunho racista deve ser firmemente rechaçada pelo Poder Judiciário cuja função é defender a Constituição e as leis da República, as quais, por seu turno, preveem total repúdio ao racismo. Sempre que se verificar circunstância que aponte para injúria racial ou a prática do racismo deve o Judiciário agir energicamente, sob pena de, não fazendo tornar se uma instituição que não apenas compactua com o racismo estrutural, como ainda o neutraliza e o aceita.Portanto outro caminho não há senão elevação do valor da indenização fixada na origem R$ 7.000,00 para R$ 14.796,90”.
Há outro caso também chamando a atenção, julgado agora em agosto/25, no qual a vítima chamada de “vagabunda, negra biscate” entre outros palavrões, a autora das ofensas foi condenada a indenização no valor de 3 mil reais e, em sede de recurso, o valor foi elevado a 5 mil reais! Nesse caso entendeu a julgadora na primeira instância, que “a fixação é uma tarefa que cabe ao prudente arbítrio do juiz e, entre os critérios sugeridos, está a não aceitação de indenização meramente simbólica e evitar enriquecimento compensatório à parte abalada moralmente. Para o caso em tela, observo que a quantia de R$ 3.000,00, serve de repreensão da conduta ilícita e representa um ressarcimento compensatório para a parte abalada moralmente”.
Nobres leitores: Esses valores atendem o espírito pedagógico da indenização e alivia a dor experimentada pela vítima? Evidentemente que não! Bem ao contrário, provoca sim outro constrangimento ao colocar a dor nesse patamar, sem perder de vista que ofensas dessa natureza, ficam na retentiva (memória) da vítima por todo o sempre.
Talvez seja necessário repensar: não se trata apenas de dinheiro, mas de dar peso real àquilo que a Constituição chama de direito fundamental. O bolso do agressor deve sentir a mesma dor que a vítima sentiu na alma. Só assim deixaremos de assistir, dia após dia, a repetição de histórias que poderiam ser evitadas. Até lá, seguiremos colecionando sentenças que, em vez de consolar, apenas reforçam a sensação de que, no Brasil, a dor alheia ainda vale muito pouco, sugerindo a prática da empatia antes de concluir o quadro apresentado.
Eginaldo Honório é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP (eginaldo.honorio@gmail.com)