OPINIÃO

Salvemos os cursos d’água


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O cataclismo climático ameaça a continuidade da vida no planeta. Toda espécie de vida, inclusive a humana. E se as chamadas “primícias” dentre as criaturas querem continuar a ser chamadas “racionais”, precisam agir racionalmente e com urgência.

Os eventos extremos resultam do aquecimento global, cuja causa todos sabemos: as emissões dos gases venenosos do efeito-estufa. Nas cidades, é o transporte o grande vilão. Na zona rural, o desmatamento e a errática ocupação do solo.

A fórmula para mitigar os efeitos da trágica mutação climática no planeta é de conhecimento de todos: reflorestar. Devolver à natureza tudo aquilo que dela se subtraiu no decorrer dos séculos. Todos os espaços terrestres precisam de mais árvores.

Isso tem de caminhar em paralelo com a restauração dos cursos d’água que desapareceram por várias causas. Uma delas, asfaltar e concretar as cidades para que sirvam prioritariamente ao automóvel, esquecendo-se de que elas deveriam atender a finalidades humanas. Outra, o desenfreado desmatamento que faz secar os córregos, os riachos, na eficiente “fabricação de desertos”, função em que a humanidade se especializou.

Mas ainda existe a ciência e ela pode servir a quem dela queira fazer uso. Pesquisadores da Luiz de Queiroz, unidade da USP em Piracicaba, detectaram o benefício da restauração de florestas nas áreas ribeirinhas. O microclima é um indicador do sucesso da empreitada de refazer matas ciliares e de tornar as regiões às margens de córregos mais arborizadas e saudáveis. A regulação climática é mais um serviço gratuito prestado pelas florestas. Isso foi cientificamente comprovado, a partir de medições de temperatura e umidade do ar feitas por drones.

O estudo comprovou que em regiões nas quais a cobertura vegetal é mais madura, registra-se aumento sensível na umidade, com redução da demanda hídrica da atmosfera. Tudo associado com a maior altura das árvores. O resultado foi publicado na revista científica Science of The Total Environment.

O engenheiro florestal Bruno Moreira Felippe, o primeiro autor do artigo, afirma que a restauração de zonas ripárias favorece o funcionamento adequado do ecossistema. Chama-se “zona ripária”, a área adjacente a riacho ou rio e que faz parte da margem. Exatamente naquele trecho em que os ecossistemas terrestre e aquático se encontram.

Existe ainda nítida relação entre a diversidade das espécies, pois a maior variação entre elas indica um ecossistema de maior integridade e muito mais saudável para todas as espécies viventes.

A natureza é tão generosa, que basta a restauração de um pequeno espaço de solo para que suas condições atmosféricas difiram do restante. Já se sabia que a distância mínima, de alguns metros, entre áreas verdes mais densas e zonas deterioradas, a caminho da desertificação, significa brusca mudança de temperatura e de umidade. Isso deve incentivar aqueles proprietários de pequenas faixas de terra que pensam não ser suficiente a regeneração de minúsculas parcelas de solo. Ao contrário: fenômenos atmosféricos ocorrem até nas menores escalas espaço-temporais e podem variar em minutos.

O clima é a base para o funcionamento adequado de ecossistemas florestais e de processos como transpiração e absorção de carbono. Mais do que isso, é o fator regulador da vida, responsável pelo incremento da biodiversidade. Por isso, aqueles que têm propriedade junto a córregos, ainda que estes pareçam haver desaparecido, podem se devotar a recuperá-los e estarão prestando imenso serviço à sobrevivência neste sofrido planeta. Por falar nisso, como anda nossa recuperação da mata ciliar?

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br) 


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