OPINIÃO

Não estamos incólumes se chuvas torrenciais vierem


| Tempo de leitura: 3 min

É preciso insistir no óbvio: a maior ameaça que paira sobre a humanidade é a questão climática. A ciência alertou durante décadas que o tratamento infligido à natureza geraria consequências desastrosas. Pouca gente ouviu. Agora, quem fala é a própria natureza. E ela está muito sentida.

Costumava-se falar em “mudanças climáticas”, depois passou-se a mencionar “urgências climáticas”. Hoje, o mais apropriado é falar em “cataclismo climático”.

O impressionante é que a inércia continua. Poucas as cidades que se preparam com vistas ao enfrentamento de fenômenos que ceifam vidas e causam imensos prejuízos materiais. A Universidade de São Paulo, em parceria com demais instituições do Brasil e do exterior, criou o UAI. Não é expressão idiomática mineira, mas a sigla para o Urban Adaptation Index. É um índice que avalia políticas públicas e instrumentos relevantes para a adaptação. Isso inclui os temas da habitação, mobilidade, sistemas alimentares, gestão ambiental e riscos climáticos.

A elaboração desse índice veio revelar o que já se intuía: uma enorme ausência de planos de redução de riscos na maioria dos municípios brasileiros. A falta de observância de critérios racionais para o planejamento urbano e a desorganização do uso e ocupação do solo intensificam a vulnerabilidade de populações e territórios aos impactos dos eventos climáticos.

Apurou-se que Recife está na mais grave situação. Atingiu 0,46 na pontuação e em seguida vieram Aracaju e Boa Vista, com 0,54. Carências de infraestrutura, ausência ou ineficácia de políticas públicas aprofundam ainda mais as desigualdades estruturais e seus nefastos efeitos. Terrível a constatação de que os 4.893 menores dentre os 5.571 municípios do País tiveram pontuação ínfima e vergonhosa: entre 0,33 e 044.

As três primeiras colocadas são Belo Horizonte e Curitiba, ambas pontuando 0,98 e em terceiro lugar Brasília, com 0,95. Nossa São Paulo atingiu 0,89 e tem condições de melhorar sua performance, à medida em que se executa o seu PlanClima, Plano de Ação Climática da capital.

Deve-se enfatizar que cidades planejadas são as que oferecem as mais favoráveis condições de adequar suas estruturas para suportar os impactos dos fenômenos extremos. A insensata conurbação de quase treze milhões de pessoas, que faz de São Paulo a maior cidade do Brasil e uma das maiores do mundo, torna muito mais difícil aparelhar seu território para que as chuvas intensas, intercaladas com ondas tórridas de calor não causem mortes. Os resultados do estudo estão mais detalhados num artigo publicado na Revista Científica Sustainable Cities and Society.

Seria excelente que nossa cidade convidasse a Coordenadora do UAI, a professora Gabriela Di Giulio, da Faculdade de Saúde da USP, para conversar com os responsáveis pela adaptação de Jundiaí a suportar os eventos que se repetirão, cada vez com intensidade maior, daqui para a frente. Ela vai ensinar os agentes municipais quanto ao conceito de adaptação climática – processos de ajustamentos em diferentes áreas e setores para antecipar possíveis impactos adversos relacionados aos extremos climáticos, na tentativa de reduzir as vulnerabilidades.

Jundiaí, uma das maiores cidades paulistas, tem de aprimorar sua capacidade adaptativa, ou seja, o potencial de um sistema em mudar para um estágio considerado mais desejável frente aos impactos e riscos decorrentes das emergências climáticas.

Não estamos incólumes se chuvas torrenciais vierem, causarem deslizamentos de áreas que não deveriam ter sido ocupadas para habitação e enchentes que só representam a tentativa do leito dos rios retomar aquilo que nós, insensatamente, deles subtraímos.
Será muito bom que o Plano Municipal de Redução de Riscos dialogue com o Plano Municipal de

Habitação e com o Plano de Arborização da cidade. Sem esse diálogo, as ocorrências continuarão a ocorrer e seremos coniventes, porque os avisos foram oportunamente emitidos. Basta ouvir e reagir, com assertividade e determinação.
 
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br) 

Comentários

Comentários