Tomei conhecimento e fiquei com inveja. Campo Grande é a cidade mais arborizada do Brasil. E sabe por quê? Porque ali ainda existe um espaço que aos poucos foi desaparecendo de nossas cidades, inclusive de nossa querida Jundiaí: o quintal.
A ocupação do solo há algumas décadas era mais racional do que hoje. Construía-se com recuo suficiente para que a residência tivesse um jardim. A casa em que cresci, na rua 15 de Novembro, possuía mais de dez metros de jardins. Vários canteiros, cultivados com carinho por meus pais. E ali havia de tudo. Minha mãe colecionava cravos e trocava mudas com o meu tio padre, Monsenhor Venerando Nalini.
Meu pai tinha noção exata de quando plantar e do que plantar. Fazia coincidir a florada de lírios para o dia de Finados, quando enfeitava o túmulo de minha nonna, sua mãe.
Houve tempo em que esse jardim possuía de tudo: boca de leão, não me deixes, esporinha, rosa, amor-perfeito, dália, crisandália, crisântemo. Era um lugar privilegiado, visitado por borboletas e beija-flores.
Durante algum tempo também havia uma tina d’água, da qual nos servíamos para abastecer os regadores. Sempre havia nela um cascudo, que era trazido pelo padrinho de meu irmão, o Alcebíades Sagrillo, que nós chamávamos “Bide”.
Quando meu pai resolveu ampliar a casa, porque já estávamos na adolescência, o jardim sumiu. O projeto foi elaborado pelo sr. Ulysses Martinho, pai do Araken. Ficamos sem jardim, mas o quintal permaneceu. E lá tínhamos algumas árvores, preservado também o longo corredor que existia na lateral da casa.
Em compensação, meu pai começou a plantar no terreno da rua Bernardino de Campos no qual edificou sua definitiva casa. E ali também havia um sortimento fabuloso de vegetação ornamental e comestível. Pessegueiros, ameixeiras, limoeiros, ao lado de abóbora, mandioca, rabanete, beterraba, cenoura, couve, alface, rúcula, agrião. Era comum, nos fins de semana, quando ele podia “descansar” trabalhando o solo, voltarmos com sacolas repletas da produção que nos alimentaria durante a semana.
Como é que as crianças de hoje conhecem a natureza, se não têm jardins, hortas, pomares, quintais com frutíferas? Tenho pena delas.
Conheci alguns quintais fabulosos aqui em Jundiaí. O maior e mais sedutor era o da casa do meu nonno, à rua Rangel Pestana. Uma verdadeira autarquia, pois só era necessário adquirir azeite e sal. O restante era produzido ali mesmo. Quantas árvores, quanta goiaba da qual nos fartávamos e depois ainda levávamos para que minha mãe fizesse goiabada cascão, geleia de goiaba, doce de goiaba para rechear rocambole.
Um quintal que eu admirei até a fase adulta foi o da casa de D. Adelina Ferrari Garcia e Sr. Manoel Garcia. Em plena Rangel Pestana, havia um verdadeiro bosque nos amplos fundos da senhorial residência. Quantas plantas, quantos espécimes, que jardim selvagem com frondosas árvores, sob as quais uma infinidade de folhagens, como chamávamos então as plantas ornamentais.
Acredito que muitas outras residências jundiaienses possuíam quintais. Hoje, vejo com melancolia que as casas ocupam o último centímetro quadrado para receber cimento, concreto, ladrilho, tudo, menos a terra, tão essencial para que a drenagem permita o retorno da água pluvial em direção ao lençol freático.
Saudades da Jundiaí dos jardins e dos quintais, inveja de Campo Grande, que conseguiu preservar esses espaços idílicos, líricos e saudáveis. O que será de nossas cidades sem verde? Pobre infância a do concreto e aço.
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)