Confesso que, em minha adolescência, me encantava com a motocicleta. O filme “Easy Rider”, de 1969, com Peter Fonda, mostrava os encantos e as aventuras de quem arrostava os ventos, segurando o guidão da máquina. Só que a maturidade oferece um outro cenário para as motos. Elas se converteram em instrumentos mortíferos.
Este JJ noticiou há dias a ocorrência de várias mortes causadas entre motociclistas. E, na capital, a calamidade atinge dimensões compatíveis com a da maior cidade do Brasil e a quarta maior metrópole do planeta.
As mortes de motociclistas no trânsito superam os homicídios. Enquanto estes caíram 27%, os óbitos em acidentes de moto subiram 65% nos últimos cinco anos. O número é impressionante: de 2020 a 2024, enquanto os acidentes com automóvel somaram 11.883, os de moto chegam a 43.608. Isso porque o número de motos aumentou 50% nos últimos dez anos.
Não são apenas as mortes que afetam o núcleo familiar das vítimas. Os impactos dos acidentes de motocicleta prejudicam a economia brasileira. Só neste ano de 2025, no mês de julho estavam 94 pacientes internados devido a acidentes com moto. 55 aguardavam cirurgia por idêntico motivo. Foram 10.312 chamadas de acidentes com moto no SAMU. 154 pacientes estão sendo acompanhados em 33 centros de reabilitação. 2 pacientes acamados atendidos pelo programa “Melhor em Casa”. Quantas mães, irmãs, esposas ou namoradas, têm de se ausentar do trabalho para cuidar desses acidentados?
Compreende-se que o trânsito em uma cidade que tem quase oito milhões de veículos em ininterrupta locomoção, a qualquer hora do dia ou da noite, seja um convite a que os jovens – principalmente os jovens – adquiram sua moto. Correm riscos incríveis “costurando” os automóveis e disputando espaço nas congestionadas vias públicas. Por isso a chamada “faixa azul” atenue os malefícios desses infortúnios. Representam segurança e mobilidade para os motociclistas. Apurou-se que meio milhão de motociclistas se utilizam delas em São Paulo. Já foram implantados 233 quilômetros de faixa azul e isso fez com que se registrasse uma queda de 47,2% no número de óbitos.
Mas algo ainda mais grave resulta da intensificação no uso das motocicletas. Com a não-obrigatoriedade do lacre metálico nas placas das motocicletas, em todo o Brasil, ficou fácil falsificar ou adulterar essa identificação. Entre junho e julho de 2025, foram registradas 10.901 ocorrências. Quinze motos com placas falsificadas ou adulteradas foram apreendidas pela Guarda Civil Metropolitana.
O homicídio de Vitor Medrado, personal trainer junto ao Parque do Povo, foi praticado por um assassino que se utilizava de uma motocicleta com placa falsa: BRA49CC, que em junho ostentava 4.743 ocorrências e em julho acumulou 4.434. Isso evidencia que a fabricação de placas falsas é um lucrativo comércio para a delinquência organizada.
Isso fez com que o prefeito Ricardo Nunes encaminhasse à Câmara Municipal projeto de lei propondo bônus de mil reais ao guarda civil municipal que recupere moto roubada. Também oficiou ao Governo Federal, para que se obrigue novamente o uso do lacre metálico nas placas de motos em todo o território nacional.
Isso deve servir para todas as cidades brasileiras. Quantas serão as mortes de motociclistas ou causadas por motos em todo o Brasil?
Muito antes disso, já tentei dissuadir meus filhos do uso da moto, dizendo que, para esse veículo, o para choque é o tórax ou a cabeça do condutor. Também apelei para minhas netas, dizendo a elas que, se quisessem continuar a ter pais, que fizessem com que eles abandonassem esse veículo tão perigoso. As motos, diante da juventude que assume a volúpia da velocidade e da imprudência, são veículos mortais.
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)