Perdi meu pai, Baptista Nalini, em 16 de janeiro de 1992. Mas não há sequer um dia em que não me lembre dele. Com saudades crescentes. Pensar que já ultrapassei a idade com que ele partiu! A vida é muito rápida e só nos damos conta quando ela está prestes a se esvair.
Recupero hoje, na idade provecta, os ensinamentos de meu pai. Ele era um filho exemplar. O carinho dele em relação à mãe, minha “nona” Catharina, era um modelo de filiação. Ela partiu quando eu tinha cinco anos. Guardo imagens muito difusas dela. Mas quando meu “nono” faleceu, em 1960, eu já estava com catorze. Acompanhei meu pai ao cemitério para fazer a exumação de sua mãe, a fim de abrir espaço para sepultar seu pai.
Assim que o caixão foi aberto, durante alguns instantes, revi exatamente como era a nona, aparentemente intacta, com seu hábito da Ordem Terceira do Carmo. O contato com o ar fez com que sua pele se desfizesse e só víssemos os ossos. Então meu pai caiu em pranto convulsivo e entendi o que era se defrontar com a morte da pessoa mais importante em nossa vida.
Aprendi com ele o cultivo da terra. Ele era incansável ao plantar. Primeiro em casa de seus pais, à Rangel Pestana, uma verdadeira autarquia. Ali, quase tudo se produzia. Depois, em nossa casa da rua 15 de novembro, enquanto ela possuía grande jardim. Ele fazia canteiros especiais e sabia a data certa para que os lírios fossem colhidos exatamente por ocasião de Finados. Gostava de ornamentar o túmulo de sua mãe sempre com lírios brancos.
No terreno onde conseguiu construir sua segunda casa, mantinha um grande pomar e horta. Nem sempre achávamos graça nos sábados de cuidados com a terra, arrancando ervas daninhas, semeando, colhendo. Até porque, voltávamos para casa com grandes sacolas com mandioca, cenoura, rabanete, alface, couve e agrião. Mas também pêssegos, laranjas, limões, poncãs, morangos, caquis e carambolas.
Chegou a cultivar um terreno no Caxambu e depois se entusiasmou com a fazenda que adquiri em Lagoinha, no Vale do Paraíba, aí sim, uma enorme área para explorar a sua vocação de agricultor. Bem o filho de imigrante que deixou Isola Della Scala, Província de Verona, aventurando-se na América, a promessa de redenção dos males que acometiam a Itália no final do século XIX.
Não deu tempo de grandes plantios em Lagoinha. Em janeiro de 1992, ainda cheguei a convidá-lo a ir comigo e meus filhos para um final de semana conosco. Ele havia acabado de se aposentar – pela segunda vez – e se despedira de seus colegas da Vulcabrás. Coisas inexplicáveis acontecem. Eu sempre ia diretamente para a fazenda, sem qualquer parada. Nesse dia, paramos para almoçar. Depois entramos no viveiro de Taubaté, onde adquiri muitas mudas. Isso fez com que, em vez de chegar ainda antes do almoço, eu só chegasse bem tarde.
Não havia celular. Mas minha mãe já telefonara ao caseiro várias vezes. Porque meu pai falecera. Logo depois de conversar comigo ao telefone.
Ao tomar conhecimento da triste surpresa, meus filhos e eu, chorando, rezamos um Pai Nosso. E imediatamente voltamos a Jundiaí. Só chegando à noite. Meu pai teve morte santa. Sem internação, sem UTI, aparentemente sem dor. Dor é o que eu sinto hoje, por não ter sido o filho carinhoso que ele merecia e que foi meu irmão, João René. Falecido precocemente em 3.6.1989 e uma das causas da partida silenciosa de Baptista Nalini. Muitas outras lições ele me deu. Só eu sei. Fica para outra vez.
Feliz dia dos pais para os que têm o privilégio de ter pai. E para nós, órfãos, o conforto da oração. Saudades de você, “Seu Baptista”.
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)