Da execução de líderes religiosos ao preconceito silencioso no trabalho, a violência contra a diversidade de crenças exige resposta firme e imediata.
O fanatismo religioso, aliado à interpretação distorcida de textos sagrados e à persistente discriminação, tem produzido um cenário de medo e violência. Em nome da fé — ou daquilo que se apresenta como fé — agressores humilham, desqualificam, ofendem e agridem pessoas apenas por pensarem diferente ou ocuparem um espaço que lhes desagrada. Nem mesmo os que não professam crença alguma escapam dessa hostilidade.
No Brasil, a história recente é marcada por ataques a religiões de matriz africana.
Casos emblemáticos chocaram o país. A execução da líder religiosa Mãe Bernadete, assassinada a tiros dentro do próprio templo, em Simões Filho (BA), expôs a face mais cruel da intolerância. Antes dela, Mãe Gilda sofreu um martírio psicológico: teve seu terreiro depredado e seu nome atacado em matéria da Folha Universal, veículo da Igreja Universal do Reino de Deus. A violência emocional foi tamanha que resultou em infarto fulminante, em 21 de janeiro de 2000.
O episódio provocou tamanha comoção que o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa passou a ser celebrado nessa data, por força da Lei nº 11.635/2007. A atuação firme do advogado Hédio Silva Junior, que representou as famílias e comunidades vítimas, garantiu vitórias no Judiciário. Mas, passados tantos anos, o ódio não recuou.
Em 30 de julho deste ano, outro episódio lamentável ocorreu: um homem invadiu a Igreja Católica de Santo Estanislau, em Itaiópolis (SC), e detonou explosivos semelhantes a fogos de artifício diante do sacrário, sobre o altar. A Arquidiocese de Joinville classificou o ato como atentado. Nenhum símbolo sagrado parece estar a salvo.
A intolerância vai além da agressão física. Ela se manifesta de forma sutil no dia a dia, inclusive no ambiente de trabalho. Um caso recente julgado pelo TRT da 9ª Região (Paraná) condenou uma grande rede de materiais esportivos a pagar R$ 20 mil reais de indenização a um vendedor umbandista proibido de usar guias religiosas. Curiosamente, correntes, crucifixos e pingentes de santos católicos eram permitidos, assim como tatuagens com símbolos cristãos. É o preconceito seletivo: aquilo que remete às religiões afro-brasileiras ainda é criminalizado socialmente.
Mais grave ainda são os relatos envolvendo forças de segurança. Há denúncias de que policiais militares, em pleno horário de serviço, uniformizados e com viaturas oficiais, são obrigados a frequentar cultos neopentecostais, sob ameaça de retaliação. Em outros casos, quando há depredação de terreiros de candomblé ou umbanda, surgem suspeitas de que alguns agentes colaboram. Há ainda relatos assustadores: líderes religiosos coagidos sob a mira de armas de grosso calibre a destruírem seus próprios templos provocados por traficantes poderosos e sem escrúpulos, chegando a substituir o nome de regiões sob seu domínio.
Diante desse quadro, a pergunta é direta: por que tanta violência? O remédio é simples: respeitar. Trocar a palavra “intolerância” por convivência. Afinal, todas as religiões pregam, em sua essência, o amor, a paz e a harmonia. A fé genuína não se alimenta de ódio; quem persegue e destrói em nome de Deus profana o próprio sagrado que diz defender.
Por isso, reforço a necessidade da atuação firme do Judiciário. O Brasil possui instrumentos legais robustos para proteger a liberdade de crença e punir exemplarmente os agressores. É preciso responsabilizar não apenas os autores diretos, mas também os instigadores e, quando cabível, as denominações religiosas que silenciam ou incentivam o ódio. E que a punição atinja onde mais dói: o bolso, por meio de indenizações vultosas e sanções severas.
Quando a impunidade der lugar à punição firme e efetiva, talvez vejamos a transformação do ódio em respeito. Talvez, enfim, possamos substituir a intolerância pela convivência. Só assim será possível honrar o que todas as religiões realmente ensinam: a vida em paz.
Eginaldo Honório é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP (eginaldo.honorio@gmail.com)