Escrito por Juliana Leite, “Entre as mãos” surpreende pelo vigor, engenhosidade e beleza. Que romance, leitor! Dividido em três partes, “Trama”, “Avesso” e “Linhas soltas”, conta a história de Magdalena, uma tecelã que fabrica tapetes e os vende numa feira de artesanato. Conta também de sua relação amorosa com um sujeito da mesma faixa etária (ambos jovens, mas sem idade definida), cujo nome não aparece – assim como não aparecem nomes além do da protagonista. E são muitos os personagens – as três tias, irmãs de sua mãe, que visitam frequentemente a sobrinha, os amigos dela, os fregueses que compram seus tapetes, os profissionais de saúde que passam a fazer parte de sua vida. As vozes narrativas também se alternam. O primeiro narrador é o rapaz com quem Magdalena se envolve (vou chamá-lo de namorido, para facilitar minha tarefa). O namorido está num hospital, acompanhando os primeiros procedimentos para salvar a protagonista, pedestre atropelada na rua de uma grande cidade, num dia de muita chuva. Pelos olhos desse narrador visualizamos a rotina do hospital, algumas cenas anteriores e posteriores ao acidente, as atitudes dos amigos que querem notícias. E sabemos a gravidade da situação – a paciente chega a ser ressuscitada --, as visitas à UTI do hospital, onde ela está internada, e as possíveis sequelas do acidente. Por meio desse namorido conhecemos também o “preferido”, o amigo mais próximo e mais querido de Magdalena. E é o preferido quem empresta casa de campo – um casebre rústico no meio do mato – para o namorido descansar um pouco depois de tantos dias no hospital.
O formato da narrativa impressiona pela engenhosidade. Na primeira parte, “Trama”, cada volta ao passado e cada retorno ao presente – o imediatamente após o atropelamento -- desenha um pedaço do mosaico, sempre bem costurado. Aparecem também as origens de Magdalena e das tias, bem como quem eram a mãe e o pai da garota (há uma cena impagável de como seus pais se conheceram num consultório médico). Na segunda parte, “Avesso”, conhecemos a readaptação de Magdalena depois do acidente. Nessa retomada da rotina, há limitações de movimento (outra cena impressionante – e há muitas -- é o da garota num ônibus urbano lotado) e o dia a dia de aperto financeiro convivendo com solidariedade. Na terceira parte, “Fios soltos”, a fragmentação dos parágrafos acompanha o título, e exibe, dentre outros tópicos, diálogos esclarecedores (a “tia doida” é fundamental para compreendermos a história da família).
Juliana Leite nasceu em Petrópolis, em 1983. Graduou-se em Comunicação Social pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, onde também fez mestrado em Literatura Comparada. “Entre as mãos” foi seu romance de estreia, ganhador do Prêmio Sesc de Literatura de 2018. Seu segundo livro, “Humanos exemplares”, foi publicado em 2023.
Em entrevista para podcast, Juliana diz que nos clubes de leitura dos quais participa, ela entra “com um tapete de gratidão” para os que divulgam livros. Nós, leitores, é que agradecemos tanta beleza e tamanha delicadeza neste seu precioso “Entre as mãos”.
Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)