OPINIÃO

O foco como ato de resistência


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O mundo barulhento que construímos, principalmente nos grandes centros urbanos, traz com ele a urgência. Tudo é para já, num cenário em constante transformação, na qual as mudanças são rápidas, as informações contraditórias, os contextos interdependentes, e, as soluções não são óbvias. Não há tempo para reflexões. Desaprendemos a sustentar a atenção, a escutar com profundidade e a estar inteiros nas relações e decisões. O excesso de estímulos fragmenta a mente, e, com ela, a comunicação, a liderança e os resultados.

As pessoas estão perdendo a capacidade da atenção plena, ou seja, foco. O psicólogo, Daniel Goleman, especialista em inteligência emocional, define o foco como a capacidade de sustentar a atenção de forma intencional. Para ele, não existe excelência sem foco. E sem presença, não há foco real. O que ele chama de “foco interno, no outro e no mundo” só se desenvolve quando estamos de fato presentes, com corpo, mente e intenção alinhados.

É um desafio que envolve o “espírito de presença”, a capacidade de estar plenamente consciente, atento e engajado no momento presente. Trata-se de uma postura interna de atenção ativa e intencional, livre de distrações, julgamentos ou automatismos. Envolve escuta genuína, percepção ampliada e disponibilidade emocional para o que acontece no agora, consigo mesmo, com o outro e com o ambiente. 

Os ruídos externos estão roubando o “espírito de presença”. O corpo está ali, mas a mente  divaga entre as inúmeras tarefas que precisam ser cumpridas, o assédio constante das mensagens que vibram através dos celulares, reuniões que se acumulam, redes sociais que nos empurram para comparações intermináveis e, sem perceber, vamos cedendo ao ciclo da dispersão. O foco é uma habilidade que já foi natural nas relações e nos processos de trabalho, parece ter sido atropelado por uma urgência constante e por uma falsa sensação de produtividade. 

A queda significativa na capacidade de concentração do público é tema de estudos desde a década de 70.  A Marinha dos Estados Unidos fez pesquisa que buscava entender o comportamento cognitivo de soldados durante treinamentos técnicos e operacionais. Foi então que surgiu o conceito "18 Minute Wall", que fala sobre a redução drástica de absorção de conteúdo após aproximadamente 18 minutos de exposição contínua. O cérebro humano tende a entrar em declínio atencional, especialmente se não houver mudanças no estímulo, como voz, ritmo, atividade ou interação. A atenção das pessoas começa a “bater na parede” e a absorção de conteúdo se reduz drasticamente.
Recentemente, para justificar formatos mais curtos e envolventes de conteúdo, esse estudo foi resgatado por educadores e comunicadores especialistas em neuroeducação, produtividade e design instrucional. Baseados nessa pesquisa, plataformas como Medium, O’Reilly Media e TED limitaram suas apresentações a no máximo 18 minutos, com o objetivo de garantir clareza, foco e impacto, respeitando o tempo limite natural de atenção do cérebro humano. 

Em tempos barulhentos, o verdadeiro poder está em quem consegue permanecer presente. Porque foco, hoje, é mais do que atenção. É autoridade, empatia e estratégia. Goleman afirma que foco é treino. E quem aprende a cultivá-lo, transforma como vive, trabalha e lidera.

Rosângela Portela é jornalista, mentora e facilitadora
(rosangela.portela@consultoriadiniz.com.br) 

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