Há quem possa pensar que a fixação de minhas reflexões a respeito das emergências climáticas seja um exagero. Não é. Quem se detiver a estudar atentamente aquilo que os cientistas dizem e comprovam com substanciosas pesquisas, não pode deixar de se alarmar. A preservação da natureza tem como objetivo salvar a vida. Inclusive a vida humana, já que a espécie que se autodenomina racional parece ter escolhido o suicídio como destino.
Agora mesmo, pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP constataram evidências robustas de que a poluição atmosférica e as mudanças climáticas impactam de forma nefasta a gestação, a saúde fetal e o pós-natal daqueles que nascem agora. Houve uma revisão crítica de oitenta e seis pesquisas dos últimos cinco anos e se chegou à conclusão de que ambos os fatores apresentam riscos simultâneos para a mãe e para o bebê. Dentre eles, restrição do crescimento fetal e parto prematuro.
Depois de nascerem, os bebês sujeitos à poluição e às alterações do clima vão apresentar problemas que influenciam o neurodesenvolvimento e causam hipertensão. A pesquisadora Mariana Veras, que coordena o Laboratório de Patologia Ambiental e Experimental do Hospital das Clínicas, explica a crença, por muitos anos, de que a placenta seria uma barreira intransponível de proteção contra poluentes. Mas estudos mais aprofundados comprovaram que ela tem limitada capacidade de lidar com agressões. Essa pesquisa contou com a parceria do grande médico Paulo Saldiva, docente de Patologia e pesquisador dos efeitos da poluição na saúde há quase quarenta anos.
Fortes evidências associam a poluição ao baixo peso ao nascer. Embora a criança tivesse um potencial de evolução no útero, a interferência do ar venenoso faz com que ela não atinja o ponto máximo de desenvolvimento. Tudo vai se refletir na saúde da gestante e da criança que chega a este mundo contaminado, com solo, atmosfera e água repletos de elementos cancerígenos, quando não gatilhos que disparam toda a série de comorbidade que compromete a sadia qualidade de vida. A criança de baixo peso tem probabilidade muito maior de desenvolver obesidade e diabetes na vida adulta.
O baixo peso se verifica em bebês que nascem com menos de dois quilos e meio. E a exposição pré-natal a poluentes ainda causa malformações congênitas e faz surgir obstáculos no neurodesenvolvimento da criança. Entre eles, disfunções de memória, dificuldades na aprendizagem, retardo na aquisição de linguagem, falta de habilidade numérica e disfunções sensório-motores. É também uma explicação para o crescimento de diagnósticos de transtornos do espectro autista, déficit de atenção e hiperatividade.
A poluição causada pelo excesso de emissão dos gases causadores do efeito estufa, cujo maior vilão é o veículo movido a combustível fóssil, também faz com que a criança a ela exposta venha a ter aumentos significativos na pressão arterial tanto na infância como na adolescência. Os microplásticos constituem uma praga lastimável. Quanto menor a partícula, maior o risco. Para cada aumento unitário no material particulado, as chances de desenvolver hipertensão aumentam de 25% a 65%.
Infelizmente, há microplástico em todos os lugares. Na água que bebemos, pois o tratamento não os elimina. Na água das garrafinhas pet, que também não deixam de conter partículas imperceptíveis.
É urgente que toda a sociedade se conscientize de que há inimigos conspirando contra a continuidade da vida neste planeta. Inimigos gerados pelos próprios humanos. Se nós somos o problema, também podemos ser a solução. Que tal levarmos isso a sério?
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)