OPINIÃO

Formação continuada em gênero, raça e etnia 


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Ao participar de uma reunião enquanto integrante do Conselho Estadual da Comunidade Negra, com o Dr. Marrey - então Secretário Estadual de Justiça (SP), ocasião em que ele afirmou que “conquistas foram alcançadas e que estávamos caminhando”. De imediato pedi a palavra e disse que, realmente estávamos caminhando, todavia com a sensação de que estávamos (caminhando) em uma esteira!

A sensação é a mesma nos dias atuais, basta observar as ofensas racistas, homofóbicas, machistas entre tantas outras, bem assim de decisões judiciais merecedoras de reparo, chegando ao ponto de os Tribunais Superiores, a exemplo do CNJ - Conselho Nacional de Justiça, ao baixar a Resolução n. 598, de 22 de novembro de 2024, da qual consta em seu “Art. 2º Os tribunais, em colaboração com as escolas da magistratura, promoverão cursos de formação inicial e continuada que incluam, obrigatoriamente, conteúdos relativos aos direitos humanos, gênero, raça e etnia, conforme as diretrizes previstas no Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, os quais deverão ser disponibilizados com periodicidade mínima anual”.

Interessante notar que, além de confessar que tais compromissos humanos não são respeitados conforme estabelece o art. 3º da Constituição assegurando que “constituem objetivos fundamentais promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Logo se se trata de “objetivo fundamental” é porque confessadamente não cumpre!

Importante também lembrar que já contávamos com Decreto 65.810. de 8 de dezembro de 1969, inserindo na Constituição a “Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial”, da qual consta, em seu art. II, alínea:  “d)

Cada Estado Parte deverá, por todos os meios apropriados, inclusive, se as circunstâncias o exigirem, as medidas legislativas, proibir e por fim, a discriminação racial praticadas por pessoa, por grupo ou das organizações”.

A alínea ‘a” do  Art. IV estabelece: “a)  declarar delitos puníveis por lei, qualquer difusão de ideias baseadas na superioridade ou ódio raciais, qualquer incitamento à discriminação racial, assim como quaisquer atos de violência ou provocação a tais atos, dirigidos contra qualquer raça ou qualquer grupo de pessoas de outra cor ou de outra origem étnica, como também qualquer assistência prestada a atividades racistas, inclusive seu financiamento”;

Notem que o texto fala em qualquer “difusão de ideias”, “incitamento”, “atos de violência”, “provocação”, “contra qualquer raça ou pessoa”, não exigindo, portanto, esforço elevado para identificar tais comportamentos. Vale lembrar que se trata de texto legal datado em 1969 e que basta cumprir.

É de conhecimento geral as diferenças encontradas no trato das questões judiciais envolvendo, gênero, raça e etnia, que até nem precisa comentar, justificando a recomendação do CNJ ao obrigar a formação continuada dos juízes e juízas nessas temáticas porque sabidamente estão muito longe dessa realidade!

Seja como for - parodiando o então Secretário de Justiça Paulista - não deixa de constituir um passo importante na redução das desigualdades e ofensas de toda espécie experimentadas por esses segmentos da sociedade, devendo o Judiciário cumprir sua obrigação.

Em que se pese o preparo dos integrantes do Judiciário, a base é eurocêntrica e amparada em filosóficos racistas, machistas . . . de Voltaire a Montesquieu comparando os negros a animais e que nem alma tinham, entre outros absurdos.

Ainda tratando do Judiciário, vale lembrar do provérbio “jura novit cúria” (o tribunal conhece a lei) o que é humanamente impossível conhecê-las, pois contamos com mais de 5 milhões de leis e aumentando. Independente desse volume, não se pode ignorar os textos legais combatendo desigualdades de toda espécie, pelo só fato da formação distorcida podendo gerar conflito, pois tudo tem limites.

Aqui vale lembrar da frase do Grande Milton Santos: “Os negros ainda sorriem. Preocupa-me quando começarem a ranger os dentes”.


Eginaldo Honório é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP (eginaldo.honorio@gmail.com)

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