
“O que mais me dói é que a minha família não conversa mais comigo. Só querem saber o que eu tenho e o que vai ser das minhas coisas.” Essa é uma das queixas mais frequentes ouvidas pelos profissionais que atuam com a população idosa em Jundiaí. A fala, compartilhada pela gestora da Unidade de Assistência e Desenvolvimento Social, Luciane Mosca, durante entrevista ao Podcast JJ, escancara uma realidade que muitas vezes passa despercebida: a violência contra a pessoa idosa nem sempre deixa marcas visíveis.
No mês do Junho Violeta, dedicado à conscientização sobre esse tipo de violência, Jundiaí contabiliza um número de cerca de 8 mil idosos que vivem em situação de vulnerabilidade social, com renda próxima ou abaixo da linha da pobreza. “Nós já temos 18% da população composta por pessoas idosas. Desses, cerca de 8 mil estão vulneráveis, ou seja, muito próximos ou abaixo da linha da pobreza”, afirma a gestora.
Mas a questão vai além da condição financeira. “Temos uma média de denúncias que variam entre 10 e 20 por mês. A maioria envolve negligência, abandono e maus-tratos. A violência física é a menor parte”, explica Luciane Mosca. Segundo ela, os casos ocorrem em todas as classes sociais. “O idoso tem vergonha de contar ou tenta proteger quem o agride. É uma violência silenciosa, muitas vezes invisível”.
Além da falta de cuidados básicos, muitos enfrentam solidão, invisibilidade dentro da própria casa e a dor do rompimento de vínculos afetivos. “Tem família que só procura o idoso quando precisa falar de bens ou herança. Falar sobre envelhecer ainda é tabu, mas precisamos urgentemente preparar nossas casas, nossos vínculos e nossas políticas para esse processo”, diz Luciane.
A advogada Samirys Verzemiassi, especialista em Direito de Família e Sucessões e diretora do IBDFAM Jundiaí, reforça que a omissão familiar pode ser crime. “Negligência, abandono, violência psicológica, patrimonial e afetiva são formas de violência previstas no Estatuto do Idoso. Os filhos têm obrigação legal de cuidar dos pais, conforme determina o Código Civil e a Constituição Federal”, afirma.
Ela explica que o Estatuto do Idoso, instituído pela Lei nº 10.741/2003, garante uma série de direitos: vida com dignidade, saúde, alimentação, transporte gratuito, prioridade em serviços públicos, programas sociais como o BPC ( Benefício de Prestação Continuada) e medidas protetivas sempre que os direitos forem ameaçados. “Muitos idosos sofrem violência patrimonial dentro de casa. O benefício que deveria garantir qualidade de vida, muitas vezes é usado pela família para sustento coletivo, sem que o idoso receba o cuidado devido. Isso é crime, e precisa ser denunciado”.
Denúncias de maus-tratos podem ser feitas anonimamente pelo Disque 100, nas delegacias ou diretamente ao Ministério Público. “E não precisa ser familiar. Qualquer cidadão pode acionar as autoridades se souber que um idoso está sendo maltratado”, reforça Samirys.
Entre as denúncias recebidas pelos serviços públicos, predominam os relatos de abandono, descaso e negligência. “Tem idoso vivendo sozinho, em casas inseguras, sem estrutura, tomando banho sem apoio, correndo risco de queda. E a família sabe, mas finge não ver”, relatou Luciane. “O problema é que não fomos educados para envelhecer — e muito menos para cuidar de quem envelhece.”
Apesar dos desafios, a cidade tem buscado garantir suporte por meio da rede pública. A Prefeitura de Jundiaí, por meio da UGADS, realiza o atendimento a idosos em situação de vulnerabilidade por meio do PAEFI (Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos), ligado aos dois CREAS do município (regiões Central e Oeste), que hoje acompanham 39 casos ativos.
O atendimento é feito com escuta qualificada, apoio psicológico, assistência jurídica e criação de planos personalizados, com foco na reconstrução de vínculos familiares e na proteção integral dos direitos.
Outro serviço importante é o Centro Dia do Idoso, que oferece acolhimento durante o dia para idosos em situação de risco social, com foco em evitar o isolamento e prevenir a institucionalização precoce. A unidade atende atualmente 28 pessoas. Já o Centro Dia da Pessoa com Deficiência acompanha quatro idosos.
Para os casos mais graves, quando não há rede de apoio familiar, o município aciona as Instituições de Longa Permanência (ILPIs), onde o idoso passa a viver com suporte multidisciplinar. “Muitos idosos chegam a esses espaços após sofrerem negligência severa ou quando estão completamente sozinhos. Infelizmente, a maioria só sai dali quando morre”, diz a gestora Luciane Mosca.
Segundo ela, a demanda por serviços só tende a crescer. “Jundiaí já deixou de ser a cidade das crianças e está se tornando a cidade dos idosos. E precisamos estar preparados, como sociedade, para isso”.