OPINIÃO

A velha tática das homenagens


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Se há um costume que o Brasil corteja é o de homenagear figuras de realce. Na verdade, a homenagem não é para as pessoas. É para os cargos. Assim que alguém assume função considerada de relevo, começam os jantares, as outorgas de título, as medalhas, as comendas e as condecorações.

A vaidade é um componente habitual das figuras cujo centro de atenções é o próprio umbigo. Consideram-se merecedoras de todos os troféus. Aceitam com naturalidade esse ritual tanta vez incrementado pelo interesse. Ou seja: homenageio aquele que poderá, em virtude de seus misteres, retribuir-me de qualquer forma.

Isso sempre foi assim e continua a sê-lo em universos conservadores como o sistema Justiça, por exemplo. Mesmo antes que o novo titular de um cargo considerado importante venha a produzir qualquer trabalho que o credenciasse a merecer uma láurea e esta já é entregue com todas as pompas e circunstâncias.

Será um resquício da mentalidade monárquica de longa duração no Brasil que foi Vice-Reino, Reino e Império por séculos?

Alguns setores, além do Judiciário, se caracterizam por esse culto às honrarias. E, na História do Brasil, há episódios em que a falta de comendas e de homenagens comprometeu o trabalho diplomático no estrangeiro.

A França foi sempre o país dos rapapés. Inúmeras as condecorações que ainda persistem, como a legendária “Legião de Honra”. A propósito, Paul Léataud (1872-1956), famoso crítico francês, que era cáustico em suas apreciações teatrais, dizia que a vaidade corroi as pessoas. Indivíduos há que trocariam a honra pela Legião de Honra...

O Brasil Imperial tinha a sua nobiliarquia, seus títulos e condecorações. A Constituição Republicana de 1891, por influência dos positivistas, aboliu comendas e títulos nobiliárquicos.

O jornalista Alcindo Guanabara, que também foi político, logo após o governo Floriano Peixoto, foi para a Europa em missão oficial. Buscava recursos para a novel República, de início não muito auspicioso para quem se detiver a estudar com afinco a sua trajetória.

Sentiu a experiência desditosa de constatar que a abolição das condecorações fora um erro tático. Se tivesse homenageado autoridades francesas com uma comenda, com uma medalha, com uma dessas “Ordens” abundantes, ele teria alcançado melhores resultados em sua incumbência diplomática.

Quando voltou ao Rio, contando suas peripécias e a dificuldade que era falar das necessidades brasileiras, comentava que teria obtido triunfo se tivesse levado uma comenda para afagar a vaidade gálica. E acrescentava, de forma irônica:

- “Com alguns centímetros de fita verde-amarela, eu teria conseguido cem vezes mais!...”

E assim, de certa forma, continua a ser. Existe inclusive uma espécie de atividade empresarial que subsiste graças à exploração dos vaidosos. Começa por uma comunicação, aparentemente substanciosa, de que, após percuciente pesquisa, “o nome de Vossa Excelência” foi apontado como digno merecedor da Comenda tal ou da Medalha de nome bem sugestivo.

Para comparecer à solenidade de outorga, é suficiente adquirir mesa para cobrir os custos da cerimônia. Está embutido no preço o montante despendido para cunhar a medalha ou imprimir o colorido diploma.

Os “agraciados” logo incluem em seu currículo a prova do reconhecimento dos contemporâneos e passam a acreditar nas suas excelsas qualidades. Não é difícil encontrar pessoas que se superestimam. Em todas as áreas. Passam a ser colecionadoras de homenagens. Você conhece alguém assim?

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)

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