
Vídeos que mostram adultos levando bonecas realistas a consultas médicas e usando assentos preferenciais viralizaram nas redes sociais e reacenderam o debate sobre os limites entre afeto, terapia e exagero.
As chamadas bebês reborn são bonecas hiper-realistas que imitam recém-nascidos. Embora sejam vistas como itens de coleção ou mesmo ferramentas terapêuticas, comportamentos como “dar mamadeira”, “trocar fraldas” ou até “levar ao pediatra” têm causado estranhamento e dividido opiniões.
Rosana Passos Utrila Cardoso é artista e criadora de bonecas reborn, profissão conhecida como cegonha. Ela começou a produzir as bonecas em 2021, após perder os pais com apenas 11 dias de diferença, durante a pandemia. Antes disso, havia presenteado a mãe com uma boneca dorminhoca (sonho da mãe era ter uma), e ouviu dos pais que, um dia, realizariam o sonho da filha de ter uma boneca realista. “Depois que eles se foram, comecei a criar para dar forma ao sonho que era deles e também meu”, conta.
Rosana conta que as suas criações são feitas com atenção aos detalhes. “Quando chega, parece uma boneca comum, mas quando começa a pintura — com tintas amarelas, verdes, azuis, vermelhas — ela ganha vida”, descreve. Ela afirma que o interesse pelas bonecas vem desde a infância: “Um dia, peguei uma abóbora, fiz olhos, boca, vesti com a roupa do meu irmão e brinquei com o que criei.”
Durante o processo de criação, Rosana Passos aplica tintas em camadas para dar realismo ao bebê reborn
Apesar das críticas, Rosana diz que muitos de seus clientes compram por motivos afetivos e não têm intenção de simular cuidados maternos extremos. “Tem preconceito, tem gente que chama de loucura, mas a verdade é que leva alegria para muita gente”, diz. Segundo ela, seus compradores se dividem igualmente entre adultos e crianças. Muitos adultos motivados pelo desejo de realizar um sonho da infância.
Esse é o caso de Edilaine Santos, que coleciona reborns há oito anos. “Na minha infância, meus pais não tinham condições de comprar bonecas. Só pude realizar esse sonho depois de adulta. Hoje tenho quatro bebês reborn, além de outras bonecas.”
Edilaine conta que, no início, sua família achava estranho, mas hoje lida com naturalidade. “Minha mãe começou a gostar, até briga comigo por causa de uma que ela quer para ela”, conta.
Edilaine Santos realiza, na vida adulta, o sonho de infância de ter bonecas
Especialistas, no entanto, alertam para os exageros. A psicóloga Fernanda Piedade explica que os reborns podem ser positivos em contextos terapêuticos, como em casos de luto ou para estímulo de interação em crianças. “É um brinquedo hiper-realista com função social. O problema é quando há uma cristalização emocional: levar para hospital, fazer festa, brincar de esconde-esconde com o boneco. " Ela continua dizendo que “Você está tentando dar vida e controle a algo que não é real. Pode haver uma dor mal resolvida ou até um quadro psiquiátrico em desenvolvimento.”
Ela compara a moda dos reborns a outras febres, como o Tamagotchi nos anos 1990. “A gente acordava de madrugada para alimentar o bichinho virtual. Mas quando o comportamento ultrapassa o modismo e vira um vínculo de controle emocional, é hora de buscar ajuda”.
Entre o lúdico e o terapêutico, o fenômeno desafia limites sociais e emocionais — e revela que, por trás de cada boneca, pode existir uma história de saudade, desejo ou reparação afetiva.